Cada um com os seus problemas
O regresso do PSG à competição teve público e foi doloroso. Mesmo com sete casos de Covid a diminuir-lhe as opções, algum dos grandes de Portugal entraria em campo com um onze tão fraco?
A estreia do Paris Saint-Germain na Liga francesa deu para tudo. Os finalistas vencidos da última Liga dos Campeões apresentaram-se sem oito titulares e foram derrotados por um RC Lens que acaba de regressar à I Divisão ao fim de uma década de ausência e cujos adeptos celebraram o acontecimento nas bancadas com um apoio ruidoso à equipa. No fim do jogo, com um clássico contra o Olympique de Marselha a chegar – é já no domingo –, Thomas Tuchel, treinador dos campeões, reforçava que importa “não perder a lucidez”, enquanto que Marco Verrati, um dos titulares de ontem, considerava a calendarização “bizarra”. “Só no futebol francês é que se faz uma coisa destas”, completava o médio.
Foram estas palavras de Verrati que me fizeram passar a ponte para o que se ouve por cá, acerca da proibição de público nas bancadas, por exemplo. Se viram a proximidade dos adeptos no Felix-Bollaert no jogo de ontem, António Costa e Graça Freitas, primeiro-ministro e diretora-geral da saúde de Portugal, devem ter deitado as mãos à cabeça e agradecido o facto de o PSG já ter deixado de sair do Hotel Myriad para os seus jogos – as autoridades já não têm de ser complacentes com as concentrações de gente à porta do hotel para celebrar as estrelas pagas com o dinheiro do Dubai. Mas ainda ontem, depois de Costa ter confirmado que o público no futebol em Portugal não está para acontecer tão cedo, o Estoril entrou em campo, para a abertura da II Liga, com uma camisola a dizer “Emoção é no estádio” e vários presidentes vieram manifestar-se contra estas cautelas de estado. Provavelmente algum até terá dito algo como “só em Portugal é que se faz uma coisa destas”.
No fundo, cada qual tem os seus problemas. Por cá temos de nos enquadrar nas cautelas do governo e das autoridades sanitárias, não só no que se refere à presença nos estádios do público que autorizam para os desportos motorizados ou para as touradas, mas também no que diz respeito ao regresso do desporto amador e de formação – muito mais grave, para mim. Em França, protestou-se de forma veemente com a suspensão da Liga anterior e agora com o seu recomeço prematuro. A Liga de 2019/20 acabou a 8 de Março, data em que se jogaram os derradeiros jogos da 28ª jornada. Oficializou-se a classificação, mas os clubes não tiveram alternativa a não ser encarar meses de inatividade. Ainda se jogaram as finais da Taça de França e da Taça da Liga, a 24 e 31 de Julho, tendo depois o Paris Saint-Germain e o Ol. Lyon estado em Lisboa para a Final-8 da Liga dos Campeões até 23 de Agosto. Sucede que a 21 de Agosto, dois dias antes da final da Champions de 2019/20, já começava a Liga Francesa de 2020/21, com um Girondins Bordéus-FC Nantes. É louco? É. Tem razão Verrati quando diz que “programar a primeira jornada para a data da final da Liga dos Campeões é bizarro”. Mas, tal como no caso de Costa e Freitas – que, nas palavras do primeiro-ministro, não querem público nos estádios portugueses para “evitar os riscos de contaminação” – é sempre possível ver o outro lado da coisa. E desse não sai nada bem o PSG.
Na verdade, o que está aqui em causa não é a coincidência das datas entre arranque da Liga e final da Champions. Em 2019, sem Covid, o Paris Saint-Germain começou a competir a 3 de Agosto, jogando o Troféu dos Campeões com o Stade Rennes. Este ano, o primeiro jogo foi semana e meia mais cedo, a 24 de Julho – a final da Taça de França, contra o AS Saint-Étienne. O que está aqui em causa nem sequer é a programação da temporada feita pelo treinador, pois o PSG entrou em pré-época no final da primeira semana de Julho, como faz sempre, para contrariar os efeitos da prolongada inatividade a que esteve sujeito. O que está aqui em causa é a falta de profundidade de um plantel caríssimo, mas que concentra o valor todo nas suas maiores estrelas. É o mau uso feito do dinheiro por parte de quem manda. Sim, Tuchel ontem não teve Navas, Neymar, Di Maria, Marquinhos, Icardi, Paredes e Mbappé, todos infetados com Covid. Além disso faltou-lhe Draxler, que padecia de uma contratura nos adutores. E já não tem Cavani, Meunier, Thiago Silva ou Choupo-Moting, que deixaram o clube. Mas não imagino um dos grandes de Portugal, com orçamentos incomensuravelmente inferiores, a entrar em campo com um onze tão fraco como aquele que Tuchel fez ontem subir ao relvado do Felix-Bollaert, onde até dois miúdos de 18 anos (Kalimuendo e Ruiz-Atil) remeteram Jesé para o banco. É por isso que o PSG continua a ser um gigante de papel e que a chegada à elite europeia não se consegue apenas com a aquisição de mega-estrelas. Recuperando as palavras de Verrati: “Só no PSG é que se faz uma coisa destas”.