Bruno Lage perdido no seu próprio labirinto
A frustração deu a Bruno Lage para descarregar em cima dos jornalistas, mas a saída não é por ali. Resta saber se o treinador ainda é capaz de a encontrar.
Interessa-me pouco o desvario frustrado de Bruno Lage acerca dos almoços, dos jantares e das viagens dos jornalistas. Foi uma tolice que nem tem conversa – a partir dali, se puser a mão na consciência, o treinador do Benfica tem duas saídas: ou explica de quem falava e sacode a lama de cima de todos os inocentes, sejam eles jornalistas ou treinadores, ou pede humildemente desculpa e assume que só mencionou o tema porque estava de cabeça quente com a derrota frente ao Santa Clara. E é sobretudo essa a razão que confere relevância às palavras de Lage. Elas mostram um treinador perdido no seu próprio labirinto, incapaz de reagir no plano da realidade e a começar a virar-se para as teorias da conspiração que em nada ajudarão a sua causa.
Já o escrevi, disse e mantenho. Tenho alguma dificuldade em considerar que o treinador que ganhou o último campeonato da forma como Lage o ganhou – com uma equipa de autor, na qual promoveu várias alterações, e recuperando sete pontos ao FC Porto com um calendário bastante complicado – tenha de repente passado a ser um inútil em cima do qual se montam os problemas do Benfica. Acho extraordinário que quem andou meses a reclamar que não eram dados minutos a Zivkovic venha agora castigar o treinador por o colocar em campo após o intervalo. Ou que quem tanto elogiou o contributo de Seferovic em Vila do Conde apareça agora a dizer que a escolha do suíço foi errada, como se viu pelos dois golos de Vinícius – que, por falar nisso, já não marcava há seis jogos, quatro deles como titular. Os jogos podem ser preparados a nível estratégico, mas a verdade é que só depois de começarem se percebe o que trazem e, a esse propósito, não deixa de ser sintomático que, ontem, Lage e Conceição tenham ganho ascendente sobre o adversário com alterações de sentido contrário àquele como que escolheram iniciar as partidas.
O FC Porto abriu com um meio-campo de tração à frente, com Sérgio Oliveira, Otávio e Corona, mas teve de mandar o mexicano para o ataque, sacrificando Luís Díaz e reforçando a intermediária com Uribe, para controlar a iniciativa. Por sua vez, o Benfica regressou ao meio-campo de tração atrás que parece ser a predileção de Lage, com Weigl, Gabriel e Taarabt, mas precisou de retirar o brasileiro e de mandar Rafa para segundo avançado para finalmente assegurar a presença na área que originou o golo do ribatejano, cinco minutos apenas depois da troca. Uma equipa até pode perder porque o treinador falhou o onze ou por ele não ter reagido da melhor forma aos inputs que recebe do campo durante os 90 minutos, como pode perder porque o diretor desportivo ou o presidente fracassaram na composição do plantel, mas é muito mais provável que perca por causa de erros cometidos dentro do campo, sejam eles individuais ou coletivos. E, ontem, mais uma vez, o Benfica de Lage cometeu demasiados erros. Culpa do treinador? Também, claro. Porque os erros no dia de jogo refletem muito mais que o acerto nas escolhas. Eles refletem sobretudo a qualidade do trabalho feito durante a semana, seja ele de campo ou de mentalização.
Podem até tentar convencer-me de que este Benfica não ganha porque Lage embirrou com Samaris. Tenho alguma dificuldade em aceitar essa versão dos acontecimentos, mas mesmo que assim seja, antes de tentar perceber por que razão não joga o grego posso entreter-me a pensar nas razões que levaram a SAD a ter no plantel, além dele, Weigl, Gabriel, Florentino e Taarabt – dispensado que foi Fejsa – para aquelas duas posições, quando depois lhe faltam alternativas no setor defensivo, por exemplo. Além de dever ser explicada – e não é disso que trato neste texto… – com a qualidade do futebol do Santa Clara, que fez um jogo de encher o olho, a derrota do Benfica ontem encontra justificação também na forma como a equipa tem vindo a trabalhar. Seja na preparação mental dos jogadores para reagirem aos estádios vazios – e o que já se viu é que a presença do público, no caso do Benfica, faz muita diferença – ou a um momento negativo, seja na consolidação de comportamentos e posicionamentos e na erradicação de más decisões. Há detalhes que se trabalham no treino, durante a semana – embora nenhum treino transforme jogadores banais em craques – e é neles que o treinador do Benfica deve concentrar-se.
Deve sair? Já, não. Não creio que a equipa ganhasse alguma coisa com isso neste momento. Além de que, tendo ficado mais difícil, o título não é impossível – o FC Porto está a três pontos, mas não tem sido invencível – e de que é preciso aceitar a ideia de que não se ganha sempre. Mas se quer continuar a ser treinador do Benfica, mais do que ocupar a cabecinha com quem paga almoços, jantares ou viagens aos jornalistas, Lage devia era perceber por que é que a sua equipa continua a encaixar tantos golos de bola parada, por que é que sofre tanto sempre que as suas zonas de pressão não inibem o adversário de mudar o centro de jogo e descobrir avenidas de acesso à área de Vlachodimos, ou até por que é que os seus jogadores, sobretudo os mais inexperientes, tomam geralmente más decisões em momentos de transição ofensiva. Disso, sim, depende o futuro imediato do Benfica. O resto é o labirinto que, sozinho ou com ajuda de alguém, o treinador escolheu construir para depois de perder lá dentro.