Benfica não mudou a tempo da Champions
O Benfica de Salónica foi tão parecido com o de 2019/20 que, após ter feito o maior investimento de sempre, corremos risco de ouvir que Jesus "terá de se safar com os jogadores que tem". E agora?
A eliminação do Benfica da fase de grupos da Liga dos Campeões significa, grosso modo, que deixam de entrar nas contas da SAD uns 50 milhões de euros, o que somado aos 80 milhões que já foram investidos em reforços tem o impacto superior a “um João Félix” e, apesar de o jogo ter mostrado lacunas no onze, deve forçar Luís Filipe Vieira a vender antes de poder levar outra vez Jorge Jesus às compras. Até porque o mercado não está fácil e a entrada do FC Porto na linha de exportação da Gestifute complicou-o mais ainda. Ainda assim, a queda da equipa para a Liga Europa não tem apenas implicações financeiras. As prontas reações ao resultado vindas dos opositores de Vieira nas eleições remetem para o aumento do risco corrido pelo presidente neste final de mandato. E os problemas revelados pela equipa em campo levam Jesus a olhar para fora, quando não lhe faria mal olhar também um pouco para dentro, para aquilo que a equipa não fez – e devia ter feito.
Comecemos por aqui. O Benfica de ontem foi tão semelhante ao da época anterior que nem parecia ter investido tanto. Os defeitos foram muito os mesmos, avolumando o risco de uma eliminação numa operação que, já o tinha dito, era arriscadíssima, porque se jogava a uma só mão e no campo do adversário. Deixo quatro exemplos.
Primeiro, a escassa qualidade da sua última linha defensiva, bem à vista na forma como o corredor direito se deixou ultrapassar nos lances dos golos gregos e como, do outro lado, Grimaldo e Vertonghen foram ineficazes – os dois colocaram em jogo o ala Giannoulis, apresentando-se atrasados em relação à linha definida por Rúben Dias no primeiro golo, e o espanhol foi depois passivo e pouco agressivo face a Zivkovic na jogada do segundo. Isto resolve-se com trabalho? É possível, mas leva tempo.
Depois, a falta de um médio que seja capaz de, ao mesmo tempo, aumentar o ritmo a atacar, ocupar muito espaço e superar a falta de capacidade defensiva de Weigl: Taarabt fez uma boa primeira parte, mas isso terá até sido mais reflexo da forma como, à frente dele, a equipa era ainda capaz de condicionar a saída de bola do PAOK. Quando a pressão na frente começou a falhar, eventualmente por falhas físicas que tenham a ver com o facto de a época ainda estar no início, e o adversário encontrou forma de sair de trás, o meio-campo defensivo do Benfica claudicou. Esse jogador não existe no plantel – e aparentemente Jesus quer Gerson, que já se sabe que o Flamengo não libertará facilmente.
De seguida, a falta de diversidade do jogo ofensivo do Benfica, cuja consequência foi a quase total incapacidade para ligar controlo de jogo e processo de criação. Seferovic teve uma boa ocasião na primeira parte e Pizzi mandou um livre direto ao poste, mas isso foi tudo o que o Benfica conseguiu na sua fase melhor, os tais primeiros 45 minutos, com 72 por cento de posse de bola face a um adversário que nem saía do buraco. Não é pouco: é ridiculamente pouco e afasta a ideia de que o problema terá sido a finalização. Não foi. Pizzi, Pedrinho e Everton são jogadores de caraterísticas muito semelhantes e nenhum deles me parece, a longo prazo, solução para a posição de segundo ponta-de-lança (como já tinha dito aqui). Além de provocar falta de presença na área, esta solução abusa da busca do espaço interior, que ontem levou a equipa a esbarrar no bloco do PAOK e a acumular os cruzamentos de zonas mais recuadas (por isso mesmo menos perigosos), reflexo da falta de capacidade para criar envolvimentos nos corredores laterais. Waldschmidt ficou o jogo todo no banco. Gonçalo Ramos nem convocado foi.
Por fim, a questão do ponta-de-lança. Já se sabe que Seferovic é tão voluntarioso como é uma incógnita em termos de finalização. Jogou porque dá pressão e porque, eventualmente, Jesus acha que Darwin ainda não está pronto – e o pouco que o uruguaio mostrou em 25 minutos deu-lhe razão – ou que Vinícius não lhe dá a ação que ele quer em termos defensivos, dessa forma comprometendo toda a equipa, que depende muito da recuperação alta da bola. No final do jogo, o treinador disse que ainda lhe falta “um avançado” e não foi claro se estava a dizer que quer ainda mais uma contratação para um setor em que o Benfica concentrou o grosso do investimento já feito ou que os jogadores que tem ainda não estão identificados com aquilo que ele quer.
E aqui se chega ao nó górdio dos próximos dias do Benfica. Tanto Jesus como Vieira quereriam que Vinícius pudesse ser vendido, de forma a poderem voltar ao mercado. O treinador teria os jogadores que quer e o presidente encontraria mais argumentos para convencer votantes – ainda que me pareça que, a partir daqui, as eleições vão depender mais de resultados no campo do que de eventuais contratações, que esse tempo já passou com o início do futebol jogado. Sucede que a fasquia foi colocada demasiado acima. Vinícius não valia os 17 milhões que o Benfica pagou por ele ao SSC Nápoles há um ano e nem pouco mais ou menos vale os 60 que se diz que o Benfica quer receber agora – o Transfermarkt avalia-o em 20 milhões, um valor bem mais próximo da realidade. Como a lente de aumentar de Jorge Mendes está por agora a ser usada por Pinto da Costa – e mesmo essa, neste mercado austero, só deu para transferir Fábio Silva, pois os destinos potenciais deste mercado especulativo foram reduzidos pela cautela saída da pandemia – a saída não se afigura fácil.
E o curioso é que, após o maior investimento alguma vez feito por um clube português no mercado, pode haver quem se sinta tentado a dizer que “Jesus terá de se safar com os que lá tem”. Tem é de fazer muito mais do que ontem.