Benfica legitima Vieira e responsabiliza Noronha
Vieira teve a mais baixa percentagem das seis vitórias, mas o mais elevado total de sócios a votar nele. Noronha mostrou-se alternativa credível, mesmo que daqui a quatro anos não se recandidate.
Luís Filipe Vieira foi reeleito presidente do Benfica por mais quatro anos, com 62,5% dos votos. Foi a percentagem mais baixa das suas seis vitórias eleitorais – até aqui nunca tinha baixado dos 83 por cento e ficara mesmo quatro vezes acima dos 90 – mas, em virtude da afluência massiva de sócios às urnas, bem pode considerar-se legitimado para um mandato que já disse ia ser o último. As eleições mobilizaram mais de 38 mil sócios, um incremento de 67 por cento face ao anterior recorde, que eram os 22 mil de 2012. Esta manifestação notável de militância foi possibilitada pelo aumento de locais de voto, ontem realizável em muitas Casas do Benfica, mas sobretudo na crença de uns na possibilidade de haver mudança e no temor de outros face a essa mesma hipótese.
A Vieira foi, assim, dada carta branca para poder continuar o seu projeto. O presidente disse durante a campanha que este mandato ia ser consagrado à vertente desportiva, talvez por ter entendido que é essa, mais do que a pujança mostrada no mercado de transferências, a ostentação de infraestruturas, as sucessivas contas no positivo ou a promoção de jovens da formação que mais une os adeptos. Os objetivos declarados por Vieira são o tetracampeonato nacional e a conquista de uma competição europeia de futebol, mas será justo dizer que não terá sido necessariamente por isso que quem nele votou se deslocou às urnas. A motivação de quem preferiu a continuidade foi essa mesmo – a continuidade, a vontade de manter as coisas como têm estado. O próprio Luís Filipe Vieira o reforçou no discurso de vitória: “Será o mandato da continuidade, para continuar a apostar naquilo que de bem tem sido feito”.
Aliás, sendo o Benfica um case study de um clube que por várias vezes viu um presidente em exercício perder eleições – Ferreira Queimado perdeu para Adolfo Vieira de Brito em 1967 e, depois de regressar, foi batido por Fernando Martins em 1981; o próprio Fernando Martins foi derrotado por João Santos em 1987 e João Vale e Azevedo perdeu para Manuel Vilarinho em 2000 – esse é um fenómeno cada vez mais raro, como se vê na longevidade no cargo do próprio Vieira, que já vem de 2003, mas também de outros presidentes, como Pinto da Costa, que chegou ao cargo no FC Porto em 1982. Já se sabe que nos clubes as coisas funcionam ao contrário da generalidade da sociedade, pois se na política a alternância é uma regra de ouro das democracias, no futebol o que mais se vê é a continuidade. Mais ainda se, como é caso do Benfica, a equipa segue na frente da Liga.
João Noronha Lopes acabou com uns muito meritórios 34,7% dos votos, mas não desmentiu na sequência da derrota a frase que proferira na campanha, segundo a qual não voltaria a candidatar-se caso perdesse. Aliás, mesmo tendo recorrido a um mais vago “isso tem de se ver”, reiterou no discurso de concessão que tinha prometido à família não voltar a concorrer, enterrando assim o machado de guerra e regressando ao papel de adepto de bancada. Só que o terço de votos que João Noronha Lopes agregou à volta do projeto que liderou não irá certamente extinguir-se nem será integrado politicamente na candidatura vencedora, como sucedeu com outros derrotados em eleições anteriores. Até porque a candidatura da Lista B tinha muita tração além do seu rosto principal. A pegada digital de muitos dos membros desta lista leva a que a ideia possa voltar daqui a quatro anos, eventualmente com outro candidato a presidente mas com o mesmo suporte.
O grande derrotado destas eleições foi Rui Gomes da Silva. Esperava-se que fosse terceiro, mas por algumas horas do dia de ontem chegou a admitir-se que pudesse contribuir para baixar a votação de Vieira para números mais próximos dos 50 por cento. O 1,6 por cento de votos que teve são a expressão do voto útil da oposição, que cedo terá percebido que se queria afastar Luís Filipe Vieira teria de apostar em Noronha, mas são também o resultado do desbaratar da maior notoriedade que o ex-comentador televisivo tinha mesmo antes desta campanha. E não deixam Gomes da Silva em boa posição para encarar uma nova tentativa nas próximas eleições, se se confirmar que Vieira não vai mesmo a votos e cede a vaga de candidato da continuidade a um Rui Costa que no final da noite voltou a mostrar-se altamente presidenciável. João Vale e Azevedo, em tempos, regressou de uma primeira votação baixa para ser presidente, mas abriu as hostilidades com 12 por cento. Os 1,6 por cento de Gomes da Silva estão mais perto das votações de Bruno Costa Carvalho ou Guerra Madaleno que de qualquer candidatura credível na história recente do Benfica.