Benfica cede em jogo sem balizas
O Benfica perdeu os primeiros dois pontos nesta Liga num empate a zero em Guimarães, onde o Vitória SC lhe emparedou os criativos e lhe impôs o futebol concertina que mais convinha aos seus jogadores.
Um plano estratégico bem definido e melhor executado permitiu ao Vitória SC tirar os primeiros pontos ao Benfica nesta Liga, impondo um empate a zero ao líder num jogo que quase dispensava as balizas, tão pouca foi a apetência das duas equipas para as atacar. A partida acabou com apenas dois remates enquadrados, um para cada lado, e com um total de 20 ações nas áreas dos adversários – onze do Benfica e nove dos vimaranenses. A média dos encarnados nesta Liga era, até aqui, de 37,2 ações na área por cada 90 minutos, de onde se depreende que a estratégia delineada por Moreno, o treinador do Vitória SC, condicionou seriamente o jogo ofensivo dos comandados de Roger Schmidt, alguns dos quais nem sequer chegaram a aparecer no desafio.
Foi o caso, nomeadamente, dos três criativos que geralmente suportam o ponta-de-lança, Gonçalo Ramos. Neres, Rafa e João Mário, que tão importantes costumam ser na manobra ofensiva do Benfica, surgiram emparedados entre as duas linhas que o Vitória SC colocou na defesa da sua área, fruto do desprezo ordenado por Moreno à saída de bola dos encarnados. A equipa de Schmidt saiu, como sempre, com os dois médios em auxílio dos dois centrais, projetando os laterais e metendo os criativos por dentro, onde procuravam ligar o jogo. Só que, do outro lado, organizado num 3x4x3 que defensivamente se transformava em 5x4x1, o adversário nunca se preocupou com a primeira fase de construção encarnada, limitando-se a dar ordem à linha formada pelos dois médios – André André e Tiago Silva – e pelos avançados exteriores entretanto recolhidos – Jota e Nélson da Luz – que escondesse os criativos. Isso levou a que Neres e Rafa poucas vezes aparecessem em jogo e a que só João Mário, o mais clarividente dos três, percebesse que para receber tinha de baixar em apoio ou de surgir por fora, perto de Grimaldo.
A somar a tudo isso, este convite feito pelo Vitória SC a que o Benfica saísse por fora, com a ativação dos dois laterais, esbarrava na exibição segura dos dois alas minhotos, Zé Carlos e Afonso. Assim que a bola entrava em Bah ou Grimaldo, cabia aos alas o movimento de aproximação em pressão, de forma a que a linha intermédia de quatro não abrisse brechas que permitissem a ligação de jogo dentro – o que sucederia se fossem Jota ou Nélson da Luz a acorrer lá. Já prevendo que a saída dos alas pudesse permitir o ataque de Neres ou João Mário à profundidade nas suas costas, Moreno indicava então a Jota e Nélson da Luz que fossem compensar a saída daqueles em pressão e fechar a linha de passe. “Não foi o melhor jogo ao nível técnico, mas temos de dar os parabéns aos jogadores pela forma como trabalharam e respeitaram o que treinámos durante a semana”, disse no final Moreno. O plano era, de facto, complexo, mas defensivamente saiu sempre na perfeição – e o Benfica rematou pela primeira vez aos 42’, numa tentativa de Enzo, de fora da área, mas ao lado da baliza de Varela. “Na primeira parte não tivemos a intensidade que tínhamos de ter. Faltou a inteligência sem bola, faltaram os movimentos com bola, faltou o ritmo na posse, faltou a ligação entre os jogadores”, lamentou Roger Schmidt no final.
Mas por que razão terá faltado tanta coisa? Ao líder da Liga pedia-se que mudasse algo no seu futebol habitual, mas é normal que a equipa se tenha viciado numa forma de jogar que até aqui lhe garantira 13 vitórias em outros tantos jogos. O Vitória SC também nunca criou muito perigo, mas impunha um futebol rasgado, sempre a fazer campo grande com bola, de forma a privilegiar a maior intensidade da sua equipa no ataque aos espaços. Isto era muito fruto da largueza do jogo de Jota, na direita, e Nélson da Luz, na esquerda, mas também da inteligência de Tiago Silva e André André, que fugiam da zona de ação de Enzo e Florentino. O Vitória SC raramente jogava curto e por isso, se fechava sem bola, abria com ela, metendo quase toda a gente por fora e deixando o meio-campo dos encarnados sem referências de marcação. Colocado entre os centrais, Bamba era um farol na construção, saindo sempre com critério e impondo-se até nos passes longos que, sobretudo enquanto os minhotos foram tendo pulmão e concentração para manter em funcionamento a concertina – encurtavam sem bola, alargavam com ela... –, permitiam que as maiores sensações de perigo surgissem perto da área de Vlachodimos. Não podia durar muito, porém, pelo que a uns 20 minutos de superioridade vimaranense se seguiram 25 de equilíbrio e, depois, mais 45 de impasse com pouca chegada à frente de qualquer das equipas. Daí o índice xG muito baixo com que as duas terminaram: 0,2 golos esperados para o Vitória SC, 0,4 para o Benfica.
“Ganhámos um ponto. Foi um jogo difícil e podíamos ter perdido”, disse ainda Schmidt. Na verdade, cada equipa fez apenas um remate enquadrado nos 90 minutos: o Vitória SC aos 21’, num cruzamento feito na esquerda por Bamba que Jota desviou, ao primeiro poste, para defesa de Vlachodimos; o Benfica aos 50’, num livre de Grimaldo que Varela segurou sem dificuldades. Tudo o resto foram aproximações sem finalizações enquadradas. E muitas delas sem sequer levantar das cadeiras os adeptos que conferiram ao jogo um ambiente excelente, com gente a puxar pelos dois grupos. O Vitória foi o primeiro a rematar, logo aos 4’, quando ganhou as costas a Grimaldo e correu até chegar perto de Otamendi, chutando então à rede lateral. Era o tal período de supremacia da equipa da casa, que terminou mais ou menos aos 20’, quando Jota descobriu Nélson da Luz na meia-lua e este se virou para rematar, mas viu o tiro desviar em António Silva e seguir para a linha de fundo. No seguimento do canto veio a única defesa de Vlachodimos, após cabeceamento de Jota, de costas para a baliza. Mas isso não quis dizer que o Benfica ficasse por cima: o primeiro remate, o tal de Enzo, de longe – e torto – apareceu apenas aos 42’.
Ao intervalo, os treinadores tiveram ocasião para corrigir, mas ao contrário do que se percebe das palavras de Schmidt, o Benfica não apareceu mais criativo na segunda parte. Teve o tal livre de Grimaldo – ainda a uns 30 metros das redes – que Varela segurou, e pouco mais. Um pouco mais que passou por dois remates de longe de Enzo, aos 56’ e aos 78’, o primeiro ao lado e o segundo a bater em Bamba antes de seguir para canto. Mesmo assim, o treinador alemão só mexeu aos 70’, altura em que refrescou o onze com as entradas de Aursnes, Draxler e Musa. No entanto, mudou pouco ou nada em termos de ideias até ao momento em que, já nos descontos, recorreu, em desespero de causa, ao gigante John Brooks, um defesa-central que entrou... para o ataque. Não se tratou de meter mais gente na frente – até porque foi Rafa o sacrificado – mas sim de meter lá gente grande, capaz de se impor o jogo por cima que a equipa passou então a privilegiar, pois o Benfica passou a enviar a bola em chuveirinho para a zona da área vimaranense. Brooks, no entanto, fez mais faltas do que ganhou lances aéreos e não foi minimamente útil. Do outro lado, Moreno já tinha chamado Lameiras e Safira para o ataque, zona que exigia mais aos jogadores, pela necessidade de permanentemente virem recompor a linha média, tendo depois trocado todo o corredor esquerdo, com as entradas de Ogawa e Johnston – mas, à exceção dos lances polémicos em termos de arbitragem, o Vitória não se viu no plano ofensivo neste segundo tempo. No fundo, a um Benfica desinspirado e anulado opunha-se um Vitória SC feliz e temeroso de que, num momento de inspiração, os adversários lhe castigassem o atrevimento de irem à procura dos três pontos com um golo que deitasse tudo por terra.
Arbitragem – O árbitro, Rui Costa, acabou por ter influência no resultado, decidindo mal nos dois lances mais polémicos – ainda que tenha sido salvo pelo VAR num deles. Primeiro, aos 62’, Florentino derrubou André na área do Benfica. O médio encarnado meteu o pé direito no caminho do opositor, não tocou na bola e fez o adversário tropeçar. Rui Costa mandou seguir, terá achado que foi André que foi à procura do contacto – quando tudo aquilo que o vimaranense fez foi não fugir dele. O VAR devia ter mandado o juiz de campo rever o lance, porque na verdade era penalti. Depois, aos 72’, Rui Costa mandou marcar penalti por derrube de Vlachodimos a Safira. Aqui, o VAR funcionou bem, porque chamou a atenção do árbitro para o facto de ter sido o atacante do Vitória SC a procurar o contacto, abrindo a perna direita no sentido do corpo do guarda-redes grego, de forma a poder “ser derrubado”. Sem sentido as alegações de um penalti a favor do Benfica, aos 41’, em lance no qual Rafa saltou sobre Varela, não o fazendo com amplitude suficiente para evitar tropeçar no corpo do guardião.
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