As virtudes do "jogo-a-joguismo"
O Real Madrid não está bem e havia condições para quebrar o domínio europeu no Mundial de clubes, mas o Al-Hilal afastou o Flamengo de Vítor Pereira da decisão. Isto é "jogo a jogo".
O “jogo-a-jogo” celebrizado por Rúben Amorim no ano do título do Sporting já adquiriu foros de lugar-comum, ao nível do “levantar a cabeça” que se entoa a seguir a qualquer derrota, mas é uma máxima inevitável e preciosa do futebol. Só se ganha um jogo de cada vez. Talvez nem tenha sido a cabeça no Real Madrid a ditar a derrota do Flamengo de Vítor Pereira na meia-final do Mundial de clubes, face aos sauditas do Al-Hilal, mas a verdade é que eu próprio cometi ontem, no Futebol de Verdade, o sacrilégio de negar os mandamentos do “jogo-a-joguismo”, quando vos disse que achava que este ano podia haver condições para contrariar a tradição recente, que é de vitória europeia na competição que sucedeu à Intercontinental e que afinal é mais do que uma Taça Toyota com aquecimento. Disse-o mais na presunção de que o Real Madrid não está bem, de que lhe faltam jogadores importantes, de que vive um momento conturbado em torno das polémicas com Vinicius Júnior, dos incidentes de racismo às porradas constantes com que o travam, do que acreditando num momento extraordinário da equipa brasileira, que está a navegar à vista no Carioca e até já tinha perdido a Supertaça para o Palmeiras. O que o futebol ditou, porém, foi a presença na final do Al-Hilal de Vietto – que fez um golo –, Marega e Carrillo, três jogadores que nem deixam grandes saudades nos relvados da Liga Portuguesa. Surpresa? Sim, claro, mesmo tendo em conta que em campo estava a base da seleção da Arábia Saudita que no final do ano passado tinha sido a única a ganhar à Argentina que depois foi campeã do Mundo ou que o Flamengo já é uma espécie de centro de acolhimento de refugiados do futebol europeu, como David Luiz, Gerson, Everton Cebolinha, Vidal ou Gabigol. Este brindou-nos a todos no final com o inevitável “é levantar a cabeça”, mas nessa altura já nem o ouvi bem, porque a franja gigante que ele ostentava, quase a tapar os olhos, e a barba cerrada de fundamentalista muçulmano roubavam qualquer atenção a quem se lembra dos golos que ele fazia naquele super-ano de 2019. De qualquer modo, para quem vê isto do lado do Brasil – ou da América do Sul – e já estava familiarizado com o novo estilo capilar de Gabigol, não, não é só levantar a cabeça. Ano sim-ano não, os vencedores da Libertadores têm caído na meia-final do Mundial de clubes. Aconteceu em 2020 com o Palmeiras, batido pelos Tigres do México. Em 2018 o River Plate foi derrotado pelo Al Ain, dos Emiratos Árabes Unidos. E em 2016 o Atlético Nacional tinha caído aos pés dos japoneses do Kashima Antlers. A crise do futebol de clubes sul-americano vai muito para lá dos aspetos financeiros que os brasileiros começam a contrariar com as injeções de capital nos maiores clubes e reflete-se no facto de Real Madrid poder carimbar este ano a décima vitória seguida da Europa no Mundial de clubes. Lá está, desde que Ancelotti pense “jogo a jogo” e os seus jogadores não abordem o Al-Hilal antes de ganharem ao Al-Ahly.
A revolução de Lisboa. Lisboa vai assistir, em Abril, à resposta da UEFA à vertigem gastadora dos seus maiores clubes. Espera-se que na reunião do Comité Executivo, que terá lugar na capital portuguesa, passe uma medida destinada a contrariar a habilidade feita pelo Chelsea nas últimas janelas de mercado para contrariar as restrições do “Fair-Play Financeiro” e que passa pura e simplesmente por assinar contratos de muito longa duração com os jogadores que recruta, dessa forma dividindo por sete ou oito anos a amortização anual da compra dos seus passes em vez de o fazer por quatro ou cinco, que é o máximo legal permitido na maior parte dos países europeus. Dessa forma, o total da despesa em cada ano já cairá com muito mais facilidade dentro dos limites de conformidade impostos pela totalidade da receita. A medida não terá, como é evidente, efeitos retroativos, pelo que quem já a aproveitou para martelar as contas passará impune – da mesma forma que quem passou a 70 km/h numa via antes de o limite de velocidade baixar para 50km/h não corre o risco de ser multado. Desde que a televisão tornou possível que o facto de mover multidões o transformasse em refúgio do grande capital que o futebol passou a ser também isto: uma batalha dialética na qual os prevaricadores andam sempre à frente e as formas criativas de ultrapassar os limites legais passam a ser tão ou mais importantes do que os modos de driblar adversários no campo. E não me espantou nada ler no Telegraph de hoje que os advogados contratados pela Premier League e pelo Manchester City ganham mais do que Erling Haaland. O que está ali em jogo é muito mais do que a certeza de um remate ou a velocidade num ataque à profundidade. É a sobrevivência de um projeto. A urgência do momento levou o City a assegurar até o concurso de David Pannick, membro da Câmara dos Lordes, conselheiro real, cujos honorários são de cerca de 90 mil euros ao dia. Chamemos-lhe “Lorde Pânico”, para sermos fiéis ao espírito do momento.
O filme de Valência. Gennaro Gattuso, o treinador italiano que a Fiorentina tinha despedido no Verão de 2021, um par de semanas depois de o contratar, porque os donos do clube suspeitavam que ele estava a colaborar no inflacionamento das aquisições de Sérgio Oliveira e Corona, a pedido de Jorge Mendes, foi despedido há semana e meia do Valência CF. Desde aí, o clube levantino perdeu mais dois jogos de enfiada e está apenas um ponto acima da linha de água, avolumando a contestação dos adeptos que ainda se ralam com o futebol na cidade a Peter Lim, o bilionário de Singapura que comprou o clube em 2014 e foi sempre a extensão de Jorge Mendes, contratando e dispensando treinadores e jogadores da carteira do agente português a uma cadência difícil de explicar e numa lógica nem sempre favorável. Surgiram já notícias de que o Valência CF agora quer fazer regressar Nuno Espírito Santo, que enquanto jogador foi o primeiro a ser transferido por Mendes e que como treinador tem caminhado sempre ao lado do agente e amigo. O treinador português está a trabalhar na Arábia Saudita e tem a recomendá-lo o facto de ter obtido uma das melhores classificações nesta década de Peter Lim em Valência – um de três quartos lugares, que os outros dois foram conseguidos por Marcelino Toral. Mas o espanhol, apesar de estar livre, é carta fora do baralho desde que acusou a gerência do clube de lhe ter sugerido que não devia ganhar uma final da Taça de Espanha. Sou só eu a achar que isto dava um grande filme?
O Flamengo sofreu muito com o facto de ter mudado de treinador antes de uma competição importante, e pelo facto de não ter começado a trabalhar a época mais cedo como fez o Palmeiras no ano passado. Creio que apesar do muito dinheiro investido, o Flamengo começa a ser uma equipa envelhecida e falta-lhe claramente um lateral direito de qualidade. O meio campo também não tem vindo a funcionar.