As três camisolas de Rui Costa
Rui Costa disse o que tinha a dizer como ex-craque e fez o que tinha a fazer como vice-presidente e delfim de Vieira. Mas não há uma boa forma de explicar o fracasso da administração da SAD.
Enquanto falava à BTV, Rui Costa vestiu, à vez, as três camisolas que enverga neste momento no Benfica. Recuperou a “10” que usava em campo quando falou para dentro do balneário e pediu empenho, recordando que, apesar dos nove pontos de distância, não é razoável desistir de um campeonato com mais de meio caminho a percorrer. Envergou a de vice-presidente do clube quando deu um passo em frente pelo líder, Luís Filipe Vieira, assegurando aos sócios que ainda recentemente o reelegeram que os dirigentes assumirão as suas responsabilidades. E ainda colocou a de administrador da SAD no momento em que disse a investidores atuais e potenciais e que as causas para o insucesso da equipa estão identificadas. A intervenção era necessária, Rui Costa teve razão como ex-craque, fez o que tinha a fazer como delfim do presidente, mas ficou curto enquanto administrador, se o que verdadeiramente se queria eram esclarecimentos.
Vamos por partes. O campeonato não está perdido para o Benfica. Está muito complicado, mas não está perdido. O problema nem são os nove pontos para o líder, pois nos últimos dois anos o futuro campeão chegou a estar a sete – e mais dois pontos são apenas mais um empate (ou menos um no caso de quem persegue e procura a ultrapassagem). Na época passada, o Benfica tinha mais quatro pontos do que o FC Porto à 16ª jornada, ficou com mais sete à 17ª, mas na segunda volta deixou cair 22. Os dragões recuperaram os sete de atraso e acabaram campeões com cinco de avanço, mesmo não tendo feito uma segunda metade de Liga sem erros – deixaram cair dez pontos nos últimos 17 jogos. Mas, como dizia, o problema nem são os nove pontos para o líder, mais a mais numa época marcada pela pandemia, que num ápice pode mudar muita coisa. São os nove para o líder, acrescidos dos cinco para o segundo, o que implicaria a necessidade de serem dois a cair de produção para o Benfica poder ganhar. Ainda assim, este discurso para dentro do grupo vem no momento certo, pois mais do que empenho pede mobilização. A questão é que transforma Rui Costa numa espécie de “polícia bom”, por oposição a Luisão, o “polícia mau” que voltou a ser duro com os jogadores, ainda que desta vez avisadamente no recato do balneário e não frente às câmaras de TV. E, mesmo tendo em conta que Jesus está em casa, em quarentena, com Covid19, os dois juntos correm o risco de esvaziar o papel de um treinador cujos méritos passam muito pela exigência que passa para os jogadores.
Como vice-presidente do clube, Rui Costa fez o que fazem todos os vice-presidentes: deu a cara pelo líder, iniciando o pagamento da identificação como sucessor com que foi brindado antes das últimas eleições. Disse que todos, com ele “à cabeça”, assumirão a responsabilidade pelo que está a passar-se. E mesmo que, na realidade, isso não queira dizer nada, porque não é muito razoável pensar na demissão dos órgãos sociais recentemente re-eleitos, Rui Costa não foi mais longe. As palavras são curtas para quem não votou Vieira e é crítico da gestão atual, mas são mais do que suficiente para quem votou pela continuidade e é contra todas as “tentativas de desestabilização”. Os clubes de futebol são assim e a última coisa que pode exigir-se no discurso político às bases é que ele seja racional e concreto. Não é, nunca vai ser. Nem no Benfica nem em clube nenhum. Esta foi a parte vazia e irrelevante das palavras de Rui Costa, mas é como as bulas nos medicamentos: as contra-indicações têm de lá estar, pois se alguém se lembrar de protestar, está dito.
Por fim, embora também as não tenha revelado, Rui Costa afirmou que “há muitas causas identificadas para explicar o insucesso da equipa”. E aqui creio que está a falar na qualidade de administrador da SAD, pois se o Benfica ainda ganhar a Liga ou as taças em que está vivo, nenhum adepto lembrará esta época como um insucesso. Para a SAD, contudo, o fracasso é evidente, porque não houve dinheiro da Liga dos Campeões e porque o mercado foi um ato falhado. A pandemia e a recessão que ela trouxe para o futebol global vieram atravessar-se na estratégia de bolha com que o Benfica vinha trabalhando as transferências há alguns anos, comprando e vendendo regularmente acima dos preços de referência. Creio, no entanto, que o problema não esteve só na Covid19 – e o futuro dirá se estas dores de cabeça não nasceram também da insistência num treinador que pensa o mercado pela própria cabeça e de acordo com a sua própria agenda, tentando o clube ter o melhor de dois mundos incompatíveis.
É que ainda no Verão, quando já havia pandemia e toda a gente no Mundo do futebol apertava o cinto, Vieira fazia gala de pujança financeira e alegava que isso permitia ao Benfica investir na altura certa, que é no momento em que os preços baixam. Teoricamente, estava certo. Na prática, no entanto, o Benfica continuou a comprar em altas: deu 24 milhões por Darwin, 20 milhões por Everton, 18 milhões por Pedrinho, 15 por Waldschmidt, mais 15 por Otamendi… Só agora, na compra de Lucas Veríssimo – o capitão de um finalista da Libertadores, que chega por menos um milhão de euros do que custou Morato, contratado há um ano e meio para a mesma posição como um sub20 promissor – é que o Benfica deixou de trabalhar o mercado pela bitola inflacionada a que se habituara. Quando até Jorge Mendes já baixara a fasquia há algum tempo, o que impediu, por exemplo, a repetição com Weigl das correções de tiro que tinham sido feitas no passado com De Tomás ou Jiménez.