As lágrimas de Messi
Não há nada de errado, mas também não há qualquer superioridade moral nem a vitória do amor à camisola nas lágrimas de Messi na saída do FC Barcelona. Leo chorou porque foi contrariado.
As lágrimas de Messi na despedida do FC Barcelona impressionam mais que as soltadas há pouco mais de um mês por Sérgio Ramos, quando assumiu que não ia continuar no Real Madrid. Podemos todos colocar-lhes em cima o manto do cinismo e dizer que ambos choram de barriga cheia, até porque vão jogar para o Paris Saint-Germain – algo ainda por confirmar no caso do argentino –, como podemos vestir aos dirigentes dos clubes o casaco da absoluta incompetência, por não terem sabido salvaguardar a “big Picture”, de forma a viabilizar que os dois continuassem, mas o que mais se destaca ali é a forma como os dois choram só por irem mudar de empregador. Está salvo o futebol-emoção, o futebol-compromisso, o amor à camisola? Afinal de contas, um dos símbolos maiores do futebol-negócio chora por mudar de emblema… Eu não seria assim tão conclusivo. Messi e Sérgio Ramos choraram porque foram contrariados. Porque queriam ficar. Choraram por eles, não por amor a nenhum clube ou emblema. E não há mal nenhum nisso.
Ronaldo, por exemplo, nunca chorou em público por mudar de clube. Não chorou quando saiu do Sporting para o Manchester United. Não chorou quando trocou os ingleses pelo Real Madrid. Não chorou quando deixou os espanhóis pela Juventus. E não chorará quando acabar o contrato com os italianos e passar a envergar outro emblema. Quais são as imagens famosas de Ronaldo a chorar? Se se lembrou da final do Europeu de 2016 e da traça na testa, acertou: chorou quando foi forçado a sair de campo, lesionado, ainda no início do França-Portugal que acabou por trazer o cetro de campeão europeu à seleção nacional. Porquê? Porque não queria sair. Como Leo Messi agora não queria sair do FC Barcelona, a isso sendo obrigado pelo jogo perigoso que os dirigentes do clube foram praticando.
Continuo a não me deixar convencer que, após meses de árduas negociações, Laporta tenha precisado de chegar ao dia de assinar contrato para ver que as contas não batiam certo. Por mais loucura gastadora da gestão anterior que tenha sobrado para esta – o Barça gastava 110% da sua faturação em salários… – não estou a ver o presidente de lápis em cima da orelha, a sacá-lo e a um bloco-notas para fazer uma conta de somar e, de repente, dizer para quem o rodeava: “Malta, afinal mesmo que Messi reduza o salário para metade, não dá. Continua a faltar dinheiro”. Não. O filme montado na quinta-feira passada foi um bluff que pode correr mal, mas não deixou de ser uma jogada de póquer a ver se a Liga cedia. A Liga não cedeu, mesmo que do outro lado esteja a possibilidade forte de perder o seu jogador mais valioso – e a visibilidade internacional que ele garante – e o bluff pode correr mal. Mas isso, enfim, é algo que pode acontecer com qualquer bluff.
Messi, nesse aspeto, foi mais claro. Há um ano não queria ficar. Estava zangado com a direção de Bartomeu, porque achava que era lá de dentro que tinha saído a fuga de informação que levou o seu contrato às manchetes dos jornais, numa tentativa de o designar responsável moral da falência que se adivinhava. Neste momento queria e aceitara mesmo reduzir esse salário a metade – e mais não lhe pediram, disse agora, quase a explicar que se lhe tivessem pedido 75% também o faria. Mas não foi possível. Pelo menos para já, que enquanto não o vir assinar pelo PSG continuarei a achar a reviravolta admissível. Messi queria ficar em casa, em Barcelona – e já prometeu aos filhos que voltaria, não ao clube, mas à cidade. Queria acabar ali a carreira, porque é um tipo pouco dado a mudanças. Queria ficar em Barcelona como Ronaldo queria ficar em campo na final do Euro’2016.
Não há nada errado nas lágrimas de Messi, mas também não há nelas algo de terrivelmente certo. O choro não o torna moralmente superior aos jogadores que abraçam a mudança com entusiasmo e cheios de sorrisos. Ao contrário do que possa pensar, só porque nunca vimos um jogador deixar um clube português em lágrimas, isso não quer dizer que estejamos aqui a falhar na formação de homens, centrando-os demasiado na ambição de subir na carreira. A questão, aqui, é de grandeza. Quando os nossos jovens jogadores saem para um clube das Big Five, acham que estão a subir na vida – quando saem para um campeonato ainda mais periférico nem são notícia, que poucos querem saber disso, pelo que não sabemos se choram nem se cria ambiente para que tal possa suceder… Se até ao final do mercado os nossos clubes ainda conseguirem fazer as transferências de que precisam para gerar as necessárias mais-valias, não vamos ver lágrimas. Nem de Nuno Mendes, nem de Pedro Gonçalves, nem de João Palhinha, nem de Corona, Sérgio Oliveira ou Luís Díaz, nem de Seferovic, Darwin ou Vinicius. Não são homens menos honrados ou mais mal formados do que Messi. Mas, ao contrário dele, sairão convencidos de que estão a avançar um degrau na cadeia alimentar do mercado.