As duas barreiras do Sporting
Arsenal e Sporting têm estratégias bem definidas para criar e usar o espaço. Para ser bem sucedido hoje, em Londres, os leões precisam de superar duas barreiras, mas a mais relevante é mental.
O primeiro obstáculo que o Sporting tem de superar hoje, em Londres, quando decidir, frente ao Arsenal, quem estará nos quartos-de-final da Liga Europa (20h, SIC e Sport TV1), é mental. Passa por não se encolher em demasia, por uma afirmação de personalidade que leve, pelo menos, o adversário a achar que a eliminatória não se resolve com a simplicidade com que se respira, com a facilidade presumida num confronto entre o líder da poderosa Premier League e o quarto classificado da Liga Portuguesa, forçando-o a meter em campo as principais armas para desfazer o empate que vai de Lisboa. Só que isso não chega. Depois é preciso superar a segunda e mais complicada barreira: a da qualidade de jogo. A maneira como este Arsenal brinca com o espaço é impressionante – e Rúben Amorim falou disso ontem, da necessidade de uma correta identificação dos espaços que o futebol de cada equipa vai libertando. Os triângulos que os ingleses constroem com a bola em campo fazem uma atração da marcação nas laterais para descobrir espaço no interior, da mesma forma que a saída curta e baixa dos leões faz a atração da pressão às proximidades da linha de fundo, para depois ir encontrar o espaço nas desmarcações de apoio dos atacantes nas costas dessa primeira linha. No jogo da primeira mão, o maior mérito do Sporting foi ter conseguido fechar sempre o espaço dentro, forçar o Arsenal a fazer as triangulações ao contrário e a sair por fora, onde claramente perde eficácia, porque Zinchenko gosta de vir da esquerda para o meio e Saka de fazer exatamente a mesma coisa, mas da direita para o meio. A grande arma dos ingleses há uma semana foi a movimentação constante do terceiro homem, o último a entrar no triângulo, deixando-o antecipadamente ativo, o que lhe facilitava a rapidez de chegada e tornava imprevisível o local exato onde ele vai aparecer a desequilibrar. Ao mesmo tempo, os portugueses terão a seu favor a evolução de Edwards naquela movimentação “à Paulinho”, a baixar para receber, mas com upgrade: se o ponta-de-lança geralmente a aproveita apenas para deixar os médios de frente para o jogo, o inglês consegue virar-se sobre o marcador que vem com ele e arrancar para o espaço, abrindo caminho a situações de igualdade ou superioridade numérica no último terço. A estratégia arsenalista tem uma vantagem, que é a de ser posta em prática longe da sua baliza, reduzindo o efeito nefasto de uma eventual perda de bola. A do Sporting chega a parecer muitas vezes brincar com o fogo, porque para Edwards ou Paulinho encontrarem o espaço de que precisam para desequilibrar, a equipa tem de atrair a primeira linha de pressão adversária até perto da área de Adán – com a nuance de já não haver Porro, que é mais forte nesse momento do que Esgaio, e de uma eventual saída através de Matheus Reis, do outro lado, forçar a mudança de corredor ao canhoto inglês. E aí, nessa necessidade de começar a construção tão atrás, completa-se o círculo. A questão volta a ser mental, de concentração. Tanto o Arsenal como o Sporting saíram do jogo de quinta-feira passada e fizeram excelentes exibições no fim-de-semana, com os 3-0 a Fulham e Boavista a carimbarem bem a qualidade que demonstraram. Se ambos mantiverem o nível, o jogo promete.
Seis jogos, zero golos. Exultam os italianos com a presença de três equipas nos quartos-de-final da Liga dos Campeões. O Milan eliminou o Tottenham, o Inter afastou o FC Porto e o SSC Nápoles arrumou o Eintracht Frankfurt e a Itália pode festejar a triplicar como já não fazia há 17 anos, desde 2006, quando lá chegaram os dois clubes de Milão mais a Juventus. Na altura nenhum atingiu a final – e desta vez, apesar dos elogios globais aos napolitanos, também não parece provável que algum o faça. Mas há uma coisa que salta à vista. É que nos seis jogos de equipas italianas nestes oitavos-de-final, em 540 minutos (mais compensações), não houve quem lhes fizesse um golo. Tottenham e FC Porto repetiram os scores contra a dupla de Milão (0-0 em casa, 0-1 fora), ao passo que o Eintracht Frankfurt foi aviado com um global de 0-5 nas duas mãos pelo SSC Nápoles. É o regresso do “catenaccio”? Terá sido, no caso do Milan e do Inter, o Milan porque não tem equipa para mais e Pioli aposta tudo na solidez atrás, o Inter porque a Inzaghi faltará alguma paz de espírito ou tranquilidade para propor mais jogo. Sérgio Conceição já o tinha dito no final do jogo do Dragão, passando até por cima da amizade que mantém com o ex-colega de equipa, ao lado de quem foi campeão italiano, na Lazio, em 2000. Arrigo Sacchi repetiu-o em declarações à edição de hoje da Gazzetta dello Sport. “O Inter tem valores individuais claramente superiores aos do Nápoles e do Milan, mas coletivamente é inferior”, disse o ex-campeão europeu, pedindo a Inzaghi um pouco mais da coragem que vai sobrando a Spaletti em Nápoles. É que se, no Sul, com saídas como as de Mertens, Insigne ou Koulibaly, a equipa tinha tudo para estar mais fraca e acabou por se mostrar mais forte, pois “joga como protagonista”, como destaca Sacchi, já a Norte o Inter tem plantel para deixar no banco jogadores como Brozovic ou Lukaku e ainda assim sofre para controlar os jogos com a bola. Não há uma identidade italiana nos treinadores que estão nos quartos-de-final – e aos três da Serie A há ainda a somar Carlo Ancelotti, ontem apurado com o Real Madrid –, mas há claramente a noção de que a tabela do campeonato nos diz a verdade: o SSC Nápoles de Osimhen e Kvaratskhelia é a equipa mais forte do trio, precisamente por ser a que consegue adicionar valor à tradição do catenaccio.
Da centralização à governação. Moderei, ontem, uma interessante conversa entre o Tiago Madureira, o Pedro Brinca e o Luís Vicente, acerca da centralização dos direitos audiovisuais da Liga Portuguesa, no âmbito do primeiro de cinco webinars que servirão de entrada para o Thinking Football. A grande questão não está já na centralização, que avançará de uma forma irreversível, mas sim na distribuição da receita e, sobretudo, na capacidade de quem quer que seja para fazer, entre agora e 2028, contratos melhores do que os de 2015, que foram inflacionados por uma conjuntura de concorrência extrema entre operadores. E isto sejam negociados de forma centralizada ou individualizada. Sendo eu defensor da centralização, sou sensível a argumentos dos dois campos, uns alegando que a competição nacional nunca sobreviverá com um ratio na diferença de receita entre clubes que não existe em mais lado nenhum, outros afirmando que a distribuição mais igualitária só vai diminuir a capacidade dos mais fortes para competir internacionalmente. Há outra questão, à qual já aludi várias vezes, que passa pela necessidade de controlo da receita para haver controlo do comportamento, para acabar com esta autodestruição da indústria por parte dos seus protagonistas, através da alimentação permanente da suspeição. Mas essa, sendo fundamental, é uma questão mais de governação do que direitos audiovisuais. Como me escreveu uma vez um de vós na melhor frase de três anos de Futebol de Verdade, “ter os clubes a mandar na Liga é como ter os putos a mandar na creche”. E não era nada má ideia meter essa questão ao barulho agora.
Enquanto tivermos na memória a história de David e Golias, teremos 1% de hipóteses.
Enquanto nos lembrarmos da eliminatória com o Man City e a escassa percentagem que tínhamos à partida ...
É a essa percentagem que nos agarraremos logo.
Lá estarei no Emirates.