As carências defensivas do Benfica de Jesus
Este Benfica marca muitos golos, mas é o mais permeável de todas as equipas que Jesus comandou na Luz. Depois de tanto investimento, ainda faltam soluções.
Ao décimo jogo oficial na segunda era de Jorge Jesus, o Benfica segue com 26 golos marcados e 13 sofridos. Perdeu duas vezes. Há um ano, em dez jogos com Bruno Lage, tinha as mesmas sete vitórias, um empate e duas derrotas, mas se marcara menos quatro golos, também tinha sofrido menos oito. Há dois anos, ainda com Rui Vitória, somava três empates e uma derrota, com 19 golos marcados e nove sofridos. Para se encontrar um arranque com um ataque mais prolífico é preciso recuar a 2009, precisamente à primeira entrada do atual treinador na Luz, quando o Benfica fez 29 golos nos primeiros dez jogos, ganhando exatamente os mesmos sete, perdendo dois e empatando outro. Com uma diferença: há onze anos, o Benfica só tinha ido buscar a bola às redes cinco vezes. Darwin tem chegado para mascarar, mas é altura de se assumir uma coisa: este Benfica tem sérios problemas nos momentos defensivos. O que é estranho, tendo em conta os valores investidos no plantel.
É verdade que se há uma diferença imediata nas equipas de Jesus é o risco atacante. Há onze anos, o seu primeiro Benfica notabilizava-se pela forma como era capaz de meter tanta gente em zonas avançadas do terreno, tanta gente na frente em posições de pressão e/ou definição, em contraste com uma realidade do futebol português que se tornara muito mais conservadora nesse particular. Foi muito graças à influência de Jesus que o 4x4x2 renasceu num futebol português onde o 4x3x3 tinha cristalizado em 4x2x3x1 ou até em 4x5x1. Aliás, continuando a olhar para a produtividade atacante dos primeiros dez jogos dos Benficas de Jesus percebe-se esse aumento de risco. Em cinco dos sete arranques superou os 20 golos marcados, sendo as exceções os 12 golos de 2010/11 e os 14 de 2013/14. Mas atenção: à exceção da primeira época, na qual terá apanhado os adversários de surpresa e sofreu apenas cinco golos nesses dez jogos iniciais, a regra foi sempre viajar à média de pelo menos um golo sofrido por jogo: foram exatamente dez em 2010/11, 2011/12, 2012/13 e 2013/14, nove em 2014/15 e agora 13 esta época.
Aliás, para se encontrar um Benfica tão frágil defensivamente no arranque é preciso recuar a 1984 e à equipa de Pal Csernai, que levou 14 golos nos primeiros dez jogos. E se apanhar seis golos em dois jogos seguidos nem é assim tão raro – aconteceu pela última vez em Junho, nas derrotas contra o Santa Clara (3-4) e o Marítimo (0-2), que levaram à saída de Bruno Lage – para se descobrir um Benfica que sofresse pelo menos duas chapas três seguidas é preciso ir até Novembro de 2010, quando aos 4-3 em casa ao Ol. Lyon se seguiu um 0-5 perante o FC Porto no Dragão. O treinador era Jorge Jesus. É uma questão de qualidade dos jogadores? Tem a ver com o sistema e com os posicionamentos definidos pelo treinador? Atrever-me-ia a dizer que são ambas as coisas.
A forma de jogar das equipas de Jesus exige basicamente três coisas. Primeiro, muita qualidade da definição da primeira zona de pressão – coisa que a equipa atual ainda não tem mas pode vir a ter, quando os jogadores da frente apreenderem melhor o modelo, uma vez que são miúdos e têm disponibilidade física para tal. Depois, velocidade e rigor posicional na definição da última linha – é por isso que Jesus tem insistido no defesa-central que lhe falta, ainda que na minha perspetiva o maior problema esteja na forma como os laterais se deixam atrair dentro e são depois ultrapassados por fora. Só que aí entra o terceiro fator: a qualidade defensiva dos jogadores da segunda linha, a linha média. Não sei se Jesus quer, de facto, que os laterais vão tantas vezes dentro nos momentos defensivos – e não estou a falar do lateral que está do lado contrário ao da bola… – e que os médios-ala se responsabilizem pelo espaço exterior. Mas se assim é, não está a funcionar. Ainda ontem, os três golos do Rangers passaram por aqui: no primeiro e no terceiro, Nuno Tavares e Grimaldo foram atraídos dentro e Tavernier cavalgou pela linha; no segundo, havia sete jogadores do Benfica na área (mais o guarda-redes) e nenhum a condicionar Kamara no momento em que ele preparava o remate.
Se comparada com a linha média do primeiro Benfica de Jesus, o meio-campo de hoje é um desastre à espera de acontecer – o que é incrível, tendo em conta os valores investidos no reforço do plantel atual. Há onze anos, havia Javi Garcia, Ramires (na direita), Aimar e Di María (à esquerda). Não havia tanta profundidade de opções como hoje, mas os titulares eram bastante melhores. Hoje, o Benfica não tem um “seis” que entregue seguro e aguente a posição como fazia o Javi Garcia de 2009: Weigl é seguro com bola, não perde um passe, mas é fraco sem ela; Gabriel é mais agressivo nos momentos defensivos, mas transvia muitos passes, forçando a equipa a passar mais tempo a defender. Além disso, este Benfica não tem um “oito” que adicione qualidade atacante sem elevado risco de perder a posse, como fazia Aimar – tanto Pizzi como Taarabt são convites mais ou menos permanentes à transição ofensiva do adversário. E não tem nas alas um jogador tão completo como Ramires, tantas vezes o ponto de equilíbrio daquela equipa.
Nunca encarreirei nas críticas que muita gente faz a Jesus, dizendo que ele só ganha porque consegue que lhe deem grandes jogadores. Essa é uma das funções fundamentais do treinador de equipa grande – conseguir que lhe deem grandes jogadores. Para trabalhar com jogadores fracos estarão os treinadores de equipas pequenas. Este Benfica tem grandes jogadores – e Darwin e Waldschmidt foram adições importantíssimas neste último mercado. Nos jogos em que arrancar, será uma máquina atacante. Mas não entendo como é que, depois de tanto valor investido, a equipa continua a revelar tantas carências no plano defensivo. Porque parte delas são treino – e há espaço para melhorias. Mas boa parte precisa mesmo de outras soluções. E de mais investimento.