Amorim, Jesus e os três centrais
O Benfica de Jesus voltou aos três centrais e ganhou em Braga no 3x4x3 do Sporting de Amorim. Mas afinal quais são os méritos e lacunas do sistema? Depende sempre dos jogadores que o corporizam.
Se alguém se preparava para abordar Jorge Jesus em torno da opção pelos três centrais nos jogos grandes, e apenas nos jogos grandes, com uma pergunta do tipo “se é melhor assim, porque é que habitualmente joga de outra maneira?”, o treinador do Benfica deu a resposta antecipada com a dose de autoconvencimento habitual: “Em sete meses é difícil, mas com dois anos de treino, podia mudar três vezes de esquema num só jogo”, disse, de peito cheio, após a vitória sobre o SC Braga. É uma forma de ver a coisa diferente da de Rúben Amorim. Treze pontos acima, o treinador do Sporting escolheu os momentos após a vitória – menos convincente, é verdade – sobre o Vitória SC para explicar a vantagem da linha de cinco atrás e para lembrar que o sistema tem lacunas “que os outros treinadores conhecem”. É aí que os jogadores são fundamentais.
Uma das belezas do futebol – desde que não a transformem em pretexto para o insulto – é que a mesma realidade pode ser explicada de duas maneiras diferentes e ambas serem cheias de razão. Amorim explicou a escolha de três centrais com a vontade de controlar a largura atrás. “Fica mais fácil para a equipa bascular”, disse. Isto é, se o adversário mudar o lado da bola, já lá está alguém, sem ser necessário toda a equipa estar a deslocar-se para lá, o que naturalmente levaria o seu tempo e podia provocar desequilíbrios. Jesus explicou a opção no jogo de ontem de uma outra forma, com as necessidades de fechar o espaço interior. “Achei que este era um jogo que pedia um corredor central mais fechado. Podia fazê-lo com três médios ou com três centrais”, afirmou. A primeira conclusão que se tira daqui é que quem definiu que o futebol se jogaria com onze homens de cada lado era um génio, porque tanto o problema identificado por Amorim como aquele de que fala Jesus se resolveria facilmente com mais um homem em campo.
A segunda, e porventura mais importante, é que os sistemas táticos servem para encaixar os jogadores, que pelas suas caraterísticas próprias se sentirão melhor num ou noutro qualquer e ajudarão a disfarçar as lacunas de qualquer um – ou a exacerbá-las. Isto é: não há tática sem jogadores. Já escrevi aqui que tenho as minhas dúvidas acerca da tese ultimamente defendida por Jesus, segundo a qual o futuro do futebol passa pela mudança permanente. Acho, mesmo, que o segredo para o sucesso do Sporting nesta Liga, que aborda com um plantel muito mais curto e menos credenciado do que os rivais – e a entrada em campo de um menino de 16 anos no sábado prova isso mesmo… –, está na sua identidade férrea e no tempo que o treinador teve para a trabalhar nas semanas em que os adversários andavam entretidos a jogar as fases de grupos das competições europeias. E já disse aqui, também, que mesmo mantendo o sistema, o Sporting devia mudar alguma coisa nas caraterísticas dos jogadores, porque a sua forma de jogar já tinha sido identificada por todos e era agora necessário dotá-la de alguma imprevisibilidade.
Ora foi isso que Amorim fez contra o Vitória SC. Manteve o 3x4x3, ainda que introduzindo Bragança em vez de Nuno Santos no trio da frente: o jovem da formação leonina jogou um pouco mais baixo e mais por dentro, sobre a direita, do que o ex-vilacondense. Como Pedro Gonçalves, que era o outro “segundo-avançado”, também não é jogador de corredor lateral, o Sporting apareceu mais nuclear, com mais opções para ligar o jogo por dentro, o que deu numa primeira parte como há muito não se via aos leões em ataque posicional. Resolvido o problema? Não, como a segunda parte demonstrou. Uma das lacunas do 3x4x3 do Sporting – que em momentos defensivos é 5x2x3 em primeiro momento de pressão e depois 5x4x1 quando o bloco baixa – é que a partir do momento em que o jogo avança no tempo e deixa de haver frescura física fica difícil controlar o jogo pela posse. Com apenas dois médios no corredor central, o jogo rende a partir, a transformar-se em jogo de transição e contra-transição, o que serve, por exemplo, a um jogador como Palhinha, mas impede os leões de controlarem jogos baixando o bloco a não ser que tenham um jogador capaz de levar a bola para a frente – algo que, contra o Vitória SC, o líder só teve nos momentos finais, quando por fim Jovane saiu do exílio.
No Benfica, as questões que o desafio de Braga colocou são semelhantes. E a resposta será, também, a mesma: Rafa foi esse jogador capaz de levar a bola para a frente, mesmo durante uma primeira parte em que o jogo ainda não estava partido, porque a capacidade física e a concentração a top permitiam respostas mais imediatas a todos os estímulos. No fim, Jesus disse que a equipa respondeu “ainda melhor do que tinha feito contra o FC Porto, no Dragão”, recordando outro jogo que abordou neste sistema. Mas, tal como no Dragão, o Benfica jogou boa parte da partida contra dez, o que não permite avaliar o sistema na perspetiva da primeira conclusão acima – lembram-se, a de que quem definiu que o futebol se jogaria com onze de cada lado era um génio? Peço-vos que voltem a guardar as armas nos coldres, não estou a dizer que os jogadores foram bem ou mal expulsos, estou só a avaliar a eficácia de um sistema tático aplicado àqueles jogadores em específico. E, onze contra onze – como se viu nos outros jogos que Jesus abordou com três centrais, como as partidas contra o Arsenal ou o Sporting – qualquer dupla de médios que o Benfica apresente em 3x4x3 pode ser um embaraço. Weigl e Taarabt, porque foram eles quem jogou ontem, serão até melhores do que Palhinha e João Mário em posse, mas são muito piores se o jogo entrar em transição e contra-transição.
E aqui, presumindo que Amorim e Jesus estarão no Sporting e no Benfica em 2021/22, fica mais facilitada a tarefa do treinador leonino, que só tem de encontrar variações humanas para a estrutura – ainda que elas custem dinheiro que o Sporting, até aqui, ou não teve ou desbaratou em más opções. Já o técnico encarnado precisa de se decidir entre encontrar o tal médio que lhe falta desde o início da época, mudar para um esquema com três no meio-campo, que lhe sirva para mascarar essa debilidade, ou convencer-se mesmo de que o futuro está na revolução permanente. Vai ser animado.