Amorim e Jesus em campos opostos
Rúben Amorim defende um grupo curto onde todos possam alimentar a expectativa de ser titulares. Jorge Jesus quer um grupo extenso para ter sempre mais uma solução. Afinal, quem é que tem razão?
Sporting e Benfica chegaram à segunda jornada sozinhos no topo da classificação da Liga, seguem com pleno de vitórias em todas as competições e estão a fazê-lo seguindo princípios filosóficos radicalmente opostos, como se percebeu nas declarações mais recentes de Rúben Amorim e Jorge Jesus. Ora isto, sendo um contributo extraordinário para a relativização num Mundo de fanáticos, não ajuda nada precisamente aqueles que precisam desse dogma como modo de vida. Afinal, o que é melhor? É manter um plantel curto, onde todos trabalham a acreditar que podem ser titulares, como faz o Sporting de Amorim? Ou é manter um plantel extenso, onde há sempre uma nova solução a cada vez que uma luz se apaga, como faz o Benfica de Jesus? Lamento dizer-vos que não há uma boa resposta a estas duas perguntas. Depende das circunstâncias.
No Sporting, há muitos adeptos que não entendem as razões pelas quais Rúben Amorim não quis mais um avançado-centro no grupo, ficando apenas com Paulinho e Tiago Tomás e não só não fazendo força pelo bem-amado Slimani como acabando por ceder Pedro Marques por empréstimo. “Esta equipa vive de cada um acreditar sempre que pode ser titular. Ter três para uma posição não funciona”, explicou Rúben Amorim. Ora Jorge Jesus acredita no inverso e, mesmo sem falar em nomes, justificou a chegada de Radonjic com a iminente saída de Waldschmidt – ambas vieram depois a concretizar-se. “Se está para sair um avançado, tem de vir outro”, afirmou o técnico, que para as três posições da frente do seu 3x4x3 tem agora onze homens, seis dos quais podem jogar como pontas-de-lança caso ele venha a optar pelo 4x4x2: há Darwin, Seferovic, Rodrigo Pinho, Gonçalo Ramos, Yaremchuk e Vinícius, os pontas-de-lança, mas também Pizzi, Rafa, Everton, Radonjic e Jota. Para se perceber bem a diferença, para os mesmos três lugares, que Rúben Amorim não abdica do 3x4x3 em nenhuma ocasião, o Sporting tem sete jogadores: Tabata, Nuno Santos, Plata, Pedro Gonçalves, Jovane, Tiago Tomás e Paulinho.
À partida é fácil explicar as duas ideias. Rúben Amorim quer um grupo curto, onde todos sintam a cada momento que se derem mais nos treinos podem ser titulares, que entre eles e um lugar no onze há no máximo um obstáculo. Isso não só diminui o risco de haver gente desmobilizada pela falta de expectativa de poder vir a jogar como também reduz as possibilidades de haver jogadores aziados a criar mau ambiente no grupo. Jorge Jesus aborda a questão de uma outra forma e quer ter a certeza de que, venham lesões, venha mais um surto de Covid19, terá sempre gente de topo pronta a entrar no onze. Os riscos de cada opção são precisamente os méritos da tomada pelo antagonista. “Se, no fim, houver problemas porque um dos dois [ndr: Paulinho ou Tiago Tomás] se lesionou, eu assumo a culpa”, afirmou Rúben Amorim depois do jogo com a Belenenses SAD, no qual Paulinho voltou a fazer uma partida interessante a criar envolvimentos mas esteve desastrado na finalização. Ora Jesus já passou por um aperto esta época, quando convocou o então recém-chegado Yaremchuk para o jogo em Moreira de Cónegos, entre as partidas com o Spartak Moscovo, para o integrar na equipa mas também porque Seferovic, Rodrigo Pinho e Darwin estavam lesionados.
Mas, afinal, qual é a melhor opção? Depende. Sem lesões graves, a concorrência levará os jogadores a superarem-se a cada momento, aproximando o grupo da tal ideia dificilmente atingível que é a da rotação permanente, capaz de o deixar apto a jogar a Liga e a Champions sem perder intensidade. À partida, parece melhor ideia. Mas bastará que um jogador de uma posição tão específica como é a de ponta-de-lança se magoe com gravidade para que o outro acabe por ficar sobrecarregado e deixe de poder dar o contributo à equipa nas melhores condições, se tiver de jogar 90 minutos de três em três dias. A resposta está em elementos do futuro que nenhum dos treinadores pode controlar, como se viu nas lesões simultâneas de três dos seis pontas-de-lança do Benfica. E se só tivesse aqueles três, ainda assim mais um do que defende Amorim? Quem jogava com o Moreirense? A ideia de Jesus é, assim, mais precavida, mas leva ao desperdício (além de que é bem mais cara). Mesmo com seis jogos em 17 dias e esse magote de lesões que o afetou, o Benfica ainda não deu um minuto de utilização neste início de época atribulado a dois dos seus onze avançados (Rodrigo Pinho e Jota), tendo Vinícius alinhado durante seis minutos apenas. Se não jogaram nestas condições, quando é que vão fazê-lo? E que efeito é que isso terá na sua motivação para trabalhar e no grupo?
No final, será a Liga a servir de juiz.