Amorim e a gestão de carreira
Amorim vai continuar no Sporting e outra coisa não seria de esperar. Porque está tão longe de acabar o trabalho ali como de poder entrar num tubarão europeu. A reputação leva tempo a construir.
Vivemos tantas vezes centrados no nosso pequeno mundo que, das duas uma: ou achamos que os outros estão igualmente atentos a cada pequeno pormenor do que nos acontece ou então que o que nos acontece é de tal maneira importante que devia ser uma lição para o resto da humanidade. Vem isto a propósito da necessidade que Rúben Amorim sentiu, ontem, de esclarecer que tanto ele como o Sporting estão já a preparar a próxima época juntos. Ou, não tanto da necessidade que o jornalista sentiu de lho perguntar – que o papel do jornalista é mesmo esse, o de fazer perguntas –, mas da reação de espanto de quem ouviu primeiro a pergunta e depois a resposta. Mas era suposto ser diferente? Claro que não.
Se o Sporting e Amorim estão satisfeitos um com o outro, se o tempo de trabalho é um fator importante para fazer crescer uma equipa – e eu já o tinha assinalado aqui, mas o treinador leonino voltou a frisá-lo ontem, quando afirmou que “o City levou dez anos a construir esta equipa” – por que carga de água é que haveriam de se separar agora, ao fim de dois anos de parceria proveitosa? “Então e as notícias de que Amorim já estava na agenda dos tubarões europeus?”, podem perguntar-me. Vamos lá a ver uma coisa: não se chega a um tubarão europeu ao fim de um ano de trabalho no topo, ganhando uma Liga portuguesa. André Villas-Boas fê-lo, quando assinou pelo Chelsea em 2011, mas além da Liga portuguesa tinha ganho a Liga Europa com o FC Porto. E a Taça de Portugal, não que isso tenha sido decisivo. Além disso, nem o Mundo de 2011 é o Mundo de 2022, nem Villas-Boas estava no patamar de Amorim numa série de outras questões igualmente importantes: tinha, por exemplo, um passado de quatro anos no Chelsea, como observador da equipa técnica de Mourinho, e beneficiara disso na candidatura. Não era um estranho para quem decidia no clube.
De resto, quando vão buscar treinadores ao estrangeiro, quem os tubarões europeus querem são treinadores com trajetos consolidados e vitórias acumuladas – Guardiola, Ancelotti... Ou gente com ligação histórica à casa, porque lá jogou ou é discípulo de uma determinada escola – Zidane, Koeman, Xavi, Solskjaer... Os tubarões não andam pela Europa dos pequeninos à procura de “one-time-hits”. Se vão buscar treinadores a mercados periféricos – e é raríssimo que o façam –, querem gente que ganhe títulos de forma repetida e que já tenha mostrado os dentes na Europa. Querem Erik Ten Hag, do Ajax, duas vezes campeão holandês nos últimos três anos – e liderava em 2020, quando a Liga não acabou, por causa da pandemia – e quatro presenças na Liga dos Campeões, onde atingiu uma vez as meias-finais. Ou querem alguém que, mesmo tendo começado nos tais mercados periféricos, entretanto já esteja a trabalhar e a dar-se a conhecer nas suas próprias Ligas. E esse, sim, pode ser o objetivo dos treinadores que se vão destacando em Portugal.
Tal como Bruno Lage foi fazer caminho para o Wolverhampton WFC depois ser campeão português, também Amorim poderia querer dar-se a conhecer dessa forma, aproveitando até as boas ligações de Antero Henrique, que além de ser alguém com Mundo, com passado em clubes como o Paris Saint-Germain, é cunhado do treinador e pode ser influente na sua entrada num patamar acima. Mas agora paremos para pensar. Estaria Lage nos Wolves se não tivesse sido despachado do Benfica? Mesmo ganhando mais dinheiro, trocaria ele a possibilidade de lutar por títulos na Luz pela hipótese de se mostrar na muito mais global Premier League? Eu digo que não, pelo menos enquanto não se cansasse de ganhar aqui. A melhor resposta a este dilema é dada, por exemplo, por Sérgio Conceição, provavelmente o único entre os treinadores que neste momento trabalham em Portugal em condições de entrar por cima num dos grandes mercados – e não, ao contrário do que me perguntavam há dias no Futebol de Verdade, não é por ser melhor nem pior, é porque está mais à frente no trajeto que há-de levá-lo ao topo.
Sérgio Conceição já tem hoje mercado no estrangeiro, sobretudo em Itália, por onde passou como jogador. Mas vai fazer no verão cinco anos como treinador do FC Porto. A reputação atual foi uma coisa que lhe demorou tempo a construir. Se assinalar o quinto aniversário com o terceiro título de campeão português e for longe na Liga Europa – depois de já ter estado duas vezes nos quartos-de-final da Champions – pode dar o salto. Até aqui, porém, nem ele o fez. E se o fizer agora não será seguramente por poder ir ganhar mais umas dezenas de milhar de euros. Será, sobretudo, por uma de três razões. Ou porque o clube deixa de contar com ele – o que me parece muito improvável, tão improvável como o Sporting deixar de querer Amorim. Ou porque ele deixa de acreditar na hipótese de ganhar troféus ali – o que até pareceu transparecer das declarações que fez após a saída de Díaz, mas que entretanto passou para segundo plano com as mais recentes vitórias no campo. Ou porque finalmente lhe chega o convite que lhe permita não só ganhar mais dinheiro mas poder aspirar a continuar a ganhar títulos fora de Portugal. E convites desses, por muito que nos centremos no nosso pequeno mundo, não caem do céu aos trambolhões. Porque a Europa, sobretudo a Europa que conta, tem muito mais para onde olhar.
Ainda falta muito a Amorim para poder aspirar a um clube de topo - ou, pelo menos, que lute por títulos - europeu. O êxito no Sporting tem sido assinalável, mas... É no Sporting, em Portugal, e um campeonato, duas taças da liga e uma supertaça em Portugal valem pouco no lago dos tubarões continentais. Temos a "mania" de pensar que toda a gente tem os olhos postos nas conquistas aqui do nosso retângulo. Seja de treinadores ou de jogadores, que após meia dúzia de boas exibições valem logo muitos milhões e têm meio mundo atrás deles. Amorim ainda tem que consolidar o seu processo no Sporting antes de se aventurar além fronteiras, sob pena de falhar e ficar com a carreira marcada. Vilas Boas teve sucesso quase imediato, foi para o Chelsea e... Nada. Depois do FC Porto não teve impacto em mais lado nenhum (no Zenit não conta verdadeiramente). E a carreira que parecia tão promissora redundou, por enquanto, numa mão cheia de nada.
O próprio Sérgio Conceição, o que terá mais cartaz no exterior, terá mais hipótese em Itália, onde já é conhecido porque lá jogou.
Amorim e o Sporting só têm a lucrar com a continuidade. E provavelmente por mais três ou quatro anos. Que não serão todos de conquistas de campeonatos, obviamente. Mas de crescimento sustentado, se tudo continuar como até agora.