Amorim contra a bebedeira da liderança
Amorim tem tempo para trabalhar a equipa em campo, mas terá também de ser capaz de manter o plantel focado e de substituir o perigo de bebedeira da liderança pelo instinto assassino dos vencedores.
Os resultados da sétima jornada significam que o Sporting vai poder celebrar um mês e pelo menos três jornadas seguidas isolado no topo da Liga: já lá estava à sexta, por lá continua à sétima e ali seguirá na oitava, o que quer que venha a suceder-lhe na receção ao Moreirense, no dia 28, porque os quatro pontos que garantiu de avanço sobre os segundos, SC Braga e Benfica, lhe dão essa almofada de segurança. Jogaram-se apenas sete jornadas, menos de um quarto da competição, e é cedo para mandar foguetes – aliás, esse terá sido em grande parte o problema do Sporting na última vez que passou tanto tempo na frente do campeonato, em Fevereiro de 2016. Há várias diferenças para essa altura, desde o estatuto – aquele Sporting era favorito e este não o é – ao facto de Rúben Amorim saber bem que é cedo para festejar, pois, mesmo estando emprestado pelo Benfica ao Al-Wakrah, na altura viveu as coisas do outro lado. O treinador sabe bem que o mais perigoso para estes jovens leões é o risco da bebedeira da liderança.
Se há lição para este Sporting é precisamente a que foi vivida por aquele Benfica de Rui Vitória. Se este Sporting entrou na Liga diminuído pelos 22 pontos de atraso para o campeão com que terminou a época passada, fazendo crer que não iria sequer meter-se nas contas do título, aquele Benfica estava em inícios de Novembro de 2015 a sete pontos do líder, que era o Sporting, que até já lhe tinha ido ganhar à Luz por um 3-0 que foi seguido de recital na sala de imprensa. “Era fácil agora pôr o Rui Vitória deste tamanhinho”, disse Jesus depois desse jogo. “Quando uma equipa está uma semaninha inteira à espera do adversário que joga nas competições europeias é mais complicado”, afirmou agora o treinador do Benfica, a antever o jogo com o SC Braga, num discurso que valorizou o adversário que acabaria por lhe ganhar na Luz, mas em que a repetição do uso do diminutivo pode ser vista como uma indireta ao Sporting, que está fora das provas da UEFA e que por isso mesmo tem mais tempo para preparar cada jogo. Ora esse é um fator que o Sporting tem de facto a seu favor e que a equipa revela em campo, conforme o próprio Amorim reconheceu em Guimarães. “Eu quero é ganhar os jogos”, disse. E, ao contrário do que acontecia na época passada, quando Jorge Silas tentou instituir em Alvalade o 3x4x3 de saída trabalhada atrás, a equipa de Rúben Amorim está cada vez mais confortável com a ideia de jogo e com os posicionamentos.
Este Sporting tem agora tempo – como teve também pré-época – para consolidar o sistema e a ideia de jogo. Não se limita a recuperar fisicamente e a jogar, como fazia há um ano e como têm de fazer agora os seus três rivais na luta pelo topo da tabela. Além disso, o Sporting tem dois laterais do melhor que se vê na nossa Liga – ainda que qualquer dos dois pudesse sofrer, por exemplo, no 4x1x3x2 que Jesus usa no Benfica – e ganhou com João Mário e Sporar no onze uma dimensão ofensiva que não tinha antes. A influência de Palhinha como recuperador de bolas que permite à equipa jogar mais adiantada e a forma como Pedro Gonçalves e Nuno Santos entendem o sistema e se desdobram entre funções de médios e de avançados está ainda por ser desconstruída pelos treinadores do nosso campeonato. Há-de acontecer, sim, que não há sistemas imbatíveis, mas para já vai rendendo golos e muitas situações de desequilíbrio entre linhas. Pedro Gonçalves já fez, em sete jogos nesta época, tantos golos como em 40 partidas na anterior (sete). E Nuno Santos tem em oito desafios mais de metade dos cinco golos (tem três) que marcou em 38 jogos de 2019/20. Os dois juntos somam ainda quatro assistências: três de Nuno Santos e uma de Gonçalves.
Com foco, aproveitando o facto de jogar só uma vez por semana para escapar às lesões e fugir às oscilações, o Sporting de Rúben Amorim tem condições para anular boa parte da diferença que o separa dos favoritos. O resto virá da capacidade que vier a demonstrar para viver com a condição de líder – coisa que a equipa de 2015/16 não soube. E isso vê-se em três aspetos, dois quais os leões já superaram dois – o que nem quer dizer que continuem a superar, mas que é pelo menos uma boa indicação. Um, em Guimarães, foi a resposta em campo à liderança, num jogo frente a um adversário de meio da tabela para cima: entrada forte, à procura de fazer o jogo em vez de esperar aquilo que o jogo possa dar. Outro, desde os 4-0 ao CD Tondela que levou a equipa ao primeiro lugar, está no domínio da comunicação: Frederico Varandas e Hugo Viana andam desaparecidos, como convém nestas circunstâncias, resistindo a chamar as atenções ou a mencionar os rivais para os diminuir, e Amorim tem revelado uma bonomia, uma boa disposição mas ao mesmo tempo uma humildade e uma noção da realidade que dificilmente poderá virar-se contra ele e a sua equipa. “Temos de saber gerir melhor”, reconheceu o treinador depois dos 4-0 em Guimarães, lembrando que ainda no início do mês a equipa apanhou quatro do LASK para evitar o extremar de emoções, nem para o bem nem para o mal.
O terceiro aspeto, só o tempo o avaliará. É a bebedeira da liderança, mais perigosa ainda quando esta liderança parece segura, como agora, com quatro pontos que até permitem uma escorregadela e a continuação na frente. É aqui que muitas equipas falham, por falta do “instinto assassino” celebrizado por Bobby Robson. Os miúdos de Amorim responderam bem à pressão, mas o desgaste psicológico só começa verdadeiramente agora e terá um novo episódio a cada vez que eles olharem para baixo, virem os rivais e sentirem a descompressão natural de quem sente que está tudo controlado. Não está. E só enquanto o treinador for capaz de manter essa ideia no seio do balneário é que este Sporting será competitivo.