Afinal, onde está a calúnia?
Face à polémica nascida da presença de Costa e Medina na sua comissão de honra, Vieira queixou-se de "calúnias". Mas a reflexão a fazer é toda em torno de verdades à prova de bala.
Quando, à partida para Salónica, lhe falaram na polémica suscitada pela presença de António Costa e Fernando Medina na Comissão de Honra da sua lista às eleições do Benfica, Luís Filipe Vieira queixou-se e repetiu várias vezes o mesmo soundbyte: “já estou aqui há muitos anos e nunca vi uma campanha tão ofensiva e caluniosa”. Defendeu-se ao ataque. Mas a questão é que não vejo onde está a calúnia. O que é que se tem dito? Que o primeiro-ministro e o presidente da Câmara Muncipal de Lisboa estão na Comissão de Honra de Vieira – verdade à prova de bala. Que o grupo Promovalor, de Luís Filipe Vieira, provocou perdas de 225 milhões de euros ao Novo Banco, dessa forma avolumando o problema que o Estado português e o governo de Costa ali têm – outra verdade. Que Vieira é arguido – e sei bem que isso não quer dizer que seja culpado – na Operação Lex, podendo vir a ser acusado dos crimes de tráfico de influência e de recebimento indevido de vantagem – mais uma verdade. Onde é que está a calúnia no meio disto tudo?
Aquilo de que Vieira poderá queixar-se é apenas de questões de opinião. É de haver muita gente a achar que, nestas condições, o primeiro-ministro e o presidente da Câmara Municipal de Lisboa não deviam permitir que os seus nomes sejam associados à campanha eleitoral de um clube de futebol. Eu acho o facto escandaloso, mas, lá está: é a minha opinião. Admito que os que me leem tenham visões diferentes da coisa. A questão é que a minha opinião não tem a ver apenas com as condições particulares em que está neste momento Vieira perante a justiça ou com as dívidas que acumulou ao Novo Banco, da mesma forma que não tem a ver com a forma como vão disputar-se estas eleições do Benfica. Tem, antes de mais, a ver com o princípio ético e moral de distanciamento entre a política e o futebol cuja observância já pus em causa, por exemplo, quando Rui Moreira foi candidato (e depois eleito) ao Conselho Superior do FC Porto, na lista que Jorge Nuno Pinto da Costa submeteu às últimas eleições do clube. Com a agravante, nesse caso, de haver mesmo acumulação de funções, mesmo tendo em conta que o Conselho Superior é um órgão meramente consultivo. A minha indignação, portanto, não tem cor.
No caso atual, não vou sequer alargar-me em considerações acerca das vantagens que Vieira ou Costa e Medina esperariam obter com a associação. Isso já seria um processo de intenções pouco claro no qual me recuso a entrar. Creio ainda que o facto de o poder político apoiar um candidato cujas ações no domínio empresarial lhe causaram problemas é questão política, a avaliar primeiro entre órgãos de soberania e depois entre os partidos e os eleitores. Aí, a democracia funciona, mesmo que o Presidente da República já tenha anunciado que vai falar sobre o tema com o primeiro-ministro. Os dois falarão e chegarão provavelmente à conclusão que Costa e Medina apoiam Vieira enquanto cidadãos e não enquanto titulares dos cargos políticos que ocupam – também era o que mais faltava… – e que isso é legítimo. Estamos, assim, perante seis pessoas diferentes: o Costa-político, o Costa-cidadão, o Medina-político, o Medina-cidadão, o Vieira-empresário e o Vieira-do-Benfica. O Costa-político e o Medina-político têm problemas com o Vieira-empresário, mas ao mesmo tempo o Costa-cidadão e o Medina-cidadão gostam e apoiam a reeleição do Vieira-do-Benfica. Sou só eu que acho isto indefensável?
Quando foi divulgada a presença de Costa e Medina na Comissão de Honra de Vieira, houve logo quem viesse culpar o futebol desta situação, alegando que isto provava que o futebol manda no país. Pois eu acho precisamente o contrário. Acho que o problema é que ninguém leva o futebol a sério, incluindo o primeiro-ministro e o presidente da Câmara de Lisboa, que nem terão pensado duas vezes no que estavam a meter-se. Perante situações como esta, diz-se: “é só bola”. Ainda nos últimos dias ouvi comentadores políticos na televisão dizer: “claro que todos nós temos direito às nossas preferências clubísticas”. E a situação é que não, não temos. Porque os clubes são empresas altamente competitivas, não só umas com as outras mas até no contexto da economia nacional. A Benfica, SAD está em 450º lugar no ranking das maiores empresas de Portugal pelo volume de faturação, aparecendo o Sporting e o FC Porto centena e meia de lugares abaixo. Porque é que há-de ser um escândalo ter membros do Governo a ir ver a seleção jogar no estrangeiro a expensas de empresas como a Galp e depois já é normal que o façam às custas do seu clube de futebol? Por que razão é que titulares de cargos políticos ou jornalistas (sejam eles especialistas em desporto ou não) não podem colocar-se ao lado de empresas, de bancos, de seguradoras, de marcas de refrigerantes, de cadeias de restaurantes ou de pronto-a-vestir, mas depois podem interferir na livre concorrência entre clubes de futebol? Seria normal que o Costa-cidadão e o Medina-cidadão interferissem na gestão de uma Modalfa, para pegar no exemplo de uma empresa que está ali a par da Benfica, SAD no tal ranking de empresas (é 455ª colocada)?
É aí, mais até do que no comportamento do Vieira-empresário, que está, para mim, o maior escândalo. Porque isto não é só futebol. Como disse um dia James Carville, estratega de Bill Clinton, “é a economia, estúpido!”