Abel e a escola portuguesa de treinadores
A presença de Abel Ferreira na final da Libertadores traz à ribalta outra vez a "escola portuguesa de treinadores". Que é coisa que não existe. Há, isso sim, muitos treinadores portugueses bons.
Abel Ferreira levará amanhã o Palmeiras à primeira mão da final da Copa Libertadores, contra o Santos FC, repetindo a presença de Jorge Jesus na decisão do ano passado e confirmando a influência dos treinadores portugueses de elite no futebol brasileiro. Jesus abriu essa porta com qualidade de trabalho e troféus, da mesma forma que José Mourinho tinha escancarado a do futebol europeu há 15 anos, quando após ganhar duas competições europeias com o FC Porto deu ao Chelsea o primeiro campeonato inglês em meio século e daí prosseguiu até se tornar uma figura incontornável do futebol mundial. Mas desenganem-se aqueles que julgam que isto é a vitória da “escola portuguesa de treinadores”. Não é. Não há uma escola portuguesa de treinadores. Estas são vitórias de cada um destes homens, do seu trabalho em específico, ainda que haja na propensão dos brasileiros para o recrutamento de portugueses hoje um pouco um modismo.
Ontem, dei comigo a pensar nas mudanças acarretadas pela globalização na forma de recrutar treinadoes, enquanto decorria o minuto de silêncio pelo falecimento de John Mortimore, antes do Benfica-B SAD – e se considerarmos a B SAD sucessora do Belenenses, estes foram os dois clubes portugueses treinados pelo inglês. Em 1976, quando ficou sem Mário Wilson, o treinador campeão nacional que Valentim Loureiro convencera a rumar a norte e ao Boavista para substituir José Maria Pedroto, quando este regressara ao FC Porto pela mão de Pinto da Costa – que grande início de Verão, este… – Romão Martins, que era presidente do Benfica, escreveu à Federação Inglesa de Futebol a pedir um treinador. O clube já se tinha dado bem seis anos antes com este método e de Londres lhe recomendaram Jimmy Hagan, que foi tricampeão antes de se chatear com a direção encarnada e ir comandar o Estoril, na III Divisão.
Desta vez, na volta do correio, a sugestão que os ingleses enviaram foi Mortimore, um antigo defesa-central do Chelsea que só tinha tido uma experiência à frente do modesto Ethnikos, da Grécia, e depois como interino no Portsmouth FC, da II Liga. Mortimore chegou, apostou em miúdos como Chalana, José Luís ou Alberto, ganhou o campeonato e, ainda que tenha perdido os dois que se seguiram para o FC Porto de Pedroto, sendo outra vez substituído por Mário Wilson, em 1979, tornou-se parte da história do futebol em Portugal, a ponto de em 1985, ter sido chamado de volta à Luz para mais dois anos.
Nessa altura, sim, havia uma escola inglesa de treinadores. Se, hoje, podemos encontrar algo de Jesus em Abel ou até em Sérgio Conceição, que foram seus pupilos enquanto jogadores, ou até algo de Mourinho em Villas-Boas, já é esticar muito a corda da periodização tática para chegar a Carvalhal, bem como será necessário um longo trabalho arqueológico para ver onde se enquadram José Castro, Pedro Martins ou Paulo Fonseca. Aqueles ingleses, no entanto, trabalhavam todos da mesma forma: grandes “tareias” físicas, disciplina férrea, onzes-base quase inalteráveis do início ao fim da época (e muito menos durante os jogos, que isso das substituições era coisa que não se usava muito lá pelo Reino Unido), organização tática rígida em 4x4x2 ou no máximo em 4x3x3 e baseada sempre na quantidade de trabalho e em princípios de jogo como a exploração do espaço, da velocidade e da coragem.
Em Portugal, nos primeiros tempos do futebol, os treinadores ou eram húngaros ou checos ou vinham de Inglaterra – daí a tendência, ainda em voga, de lhes chamar “Mister”. Depois veio a moda dos brasileiros, de que Otto Glória foi percursor – e por cá andaram muitos de grande sucesso, incluindo o campeão do Mundo Aimoré Moreira, que liderou FC Porto e Boavista. Nos anos 70 e 80 voltaram os ingleses, com a particularidade de alguns serem indicados pela Federação. Até que os treinadores nacionais atingiram a maioridade e passaram a beneficiar de condições de formação que lhes permitem, por exemplo ser maioritários na fase de grupos da Liga dos Campeões ou que a Liga portuguesa seja um caso de estudo no que toca à impermeabilidade a técnicos estrangeiros.
Só dois dos 18 treinadores da Liga portuguesa são estrangeiros: há o espanhol Pako Ayestarán no CD Tondela, no que pode ser visto como uma escolha estratégica do investidor na SAD, e há Milton Mendes – sendo que este passou mais tempo de carreira de jogador e treinador em Portugal do que no Brasil, pelo que já é mais nosso do que deles. Em Espanha, a Liga vai ser decidida entre um treinador argentino (Simeone, Atlético), um francês (Zidane, Real Madrid) e um holandês (Koeman, FC Barcelona), com um espanhol (Lopetegui, Sevilha FC) à espreita, mas entre os 20 clubes que a disputam ainda por lá andam mais dois argentinos e um chileno. Até na usualmente fechada Alemanha há, entre 18 treinadores de elite, um norte-americano, dois suíços, dois austríacos, um holandês, um húngaro e um dinamarquês. Nas 20 equipas da cosmopolita Premier League inglesa, há neste momento treinadores de dez nacionalidades diferentes – entre eles os portugueses José Mourinho e Nuno Espírito Santo. E, sendo a maioria ingleses, não deixa de ser curioso reparar que entre os oito que por lá estão a trabalhar neste momento, sete comandam os sete últimos classificados. Não devem ter pedido conselhos à Federação…