A vitória dos americanos bons
O ano de 2021 está a ser em cheio para os americanos que compraram a SAD do Estoril. Mas nisto não há capital bom e capital mau. A diferença está na escala, que leva à necessidade de criação de valor.
O Estoril-Praia festejou ontem a subida à I Liga portuguesa, fruto da vitória do FC Arouca em Coimbra (1-0), frente à Académica. Os sete pontos de avanço que tem no topo da tabela sobre o FC Vizela, segundo classificado, deverão mesmo permitir à equipa de Bruno Pinheiro obter o título de campeã do segundo escalão, ao mesmo tempo que os sub23, que já ganharam a Liga Revelação, discutem hoje o acesso à final da Taça da categoria, já tendo batido fora o FC Famalicão na primeira mão das meias-finais. Este ano de 2021 está a ser “em cheio” para os investidores do MSP Sports Capital, o fundo norte-americano que há dois anos comprou a SAD estorilista aos brasileiros da Traffic. Vista assim, a coisa não deixa de ser perigosa, mas gera um capital de simpatia bastante diferente do que rodeia, por exemplo, os donos norte-americanos de grandes clubes ingleses. E a diferença não está na escala, mas na criação de valor – ainda que as duas coisas estejam naturalmente ligadas.
O MSP Sports Capital tem mais participações no futebol europeu – é dono, também, por exemplo, da AD Alcorcón, que esta época não se deu tão bem assim na II Liga espanhola, onde ainda corre riscos de despromoção. O rosto do fundo é Jeffrey S. Moorad, antigo agente de jogadores e dirigente em equipas de basebol. Mas a sigla MSP – que significa Moorad Sports Partners – pressupõe a presença de outros elementos, no caso Jahm Najafi, um dos donos dos Phoenix Suns, da NBA; Arne Rees, um homem da TV, com história na UEFA e na Disney, através da ESPN; e Steve Wasserman, também ele dono de um vasto currículo na área dos investimentos e do mercado de capitais. A ideia parece simples: comprar, a preço acessível, clubes com potencial, fazê-los crescer e capitalizar através do cruzamento de valências como a deteção e desenvolvimento de talentos, a intervenção no mercado de transferências ou a negociação de direitos televisivos. Se for misturado com competência, como parece ser o caso no Estoril, isto não só resulta como me espanta que não haja muito mais gente a correr à possibilidade de adquirir as SADs de equipas de divisões secundárias em Portugal. Comparado com o que é preciso para fazer uma coisa assim noutros países, Portugal grita ao capital internacional: com menos de dez milhões de euros se compra facilmente uma SAD a um passo de entrar na I Liga e a dois de conseguir o apuramento para as competições da UEFA, onde a visibilidade já é interessante.
Mas se o trabalho feito pela MSP no Estoril em dois anos é um excelente cartão de visita, por que é que este fenómeno é perigoso? Primeiro, porque não há capital bom e capital mau. Há capital, ponto. E os interesses do capital nem sempre são os do desporto. Sou a favor do capital no futebol de alto nível, desde que ele seja claro, detetável e rastreável. Já torço o nariz quando o mesmo fundo de investimento pode ter participação em duas equipas, mesmo que em países diferentes – esta associação do desporto à alta finança funciona nas Ligas norte-americanas porque a própria Liga pode vetar potenciais proprietários, se achar que eles não cumprem os requisitos morais e éticos ou, pasme-se, se já forem donos de outra equipa na Liga. Algo que por mais que quiséssemos não pode ser implementado numa realidade tão difusa como a do futebol europeu, sujeito a vários regimes legais. Depois, tenho as mais sérias dúvidas de que as coisas funcionem acima de um determinado patamar – e cá está a ligação da escala à criação de valor. Quem compra uma equipa que anda nas divisões secundárias de um país periférico como Portugal só pode ter o foco na criação de valor, porque antes de colher dividendos tem de levar essa equipa a competir onde ela seja vista. E aí os interesses do proprietário coincidem com os dos adeptos, porque ambos querem o sucesso desportivo. Já quem compra uma equipa de topo num mercado como o inglês até pode fazê-lo com as mesmas intenções – rentabilizar – mas não tem, de todo, os mesmos requisitos. E aí os interesses do proprietário não só podem divergir como na maior parte das vezes divergem dos dos adeptos.
É esse o problema, por exemplo, no Manchester United. O clube não ganha nada que se veja, mas para os irmãos Glazer está tudo bem, pois a família investiu mais de 900 milhões de euros na sua compra e todos os anos retira dele uns 90 milhões de lucro, que vai servindo para pagar a dívida contraída na aquisição. Porque nisto não há americanos bons e americanos maus. Não há capital bom e capital mau. O que há é necessidades diferentes. Cabe ao futebol monitorizar o que cada um vai fazendo e traçar uma linha da qual não devia ser permitido passar. Uma linha que, por enquanto, a MSP Sports Capital e o Estoril ainda não cruzaram – e por isso, pelo menos para já, só estão de parabéns.