A vitória do plano estratégico
O jogo do Sporting em Braga foi pobre no ataque, brilhante do ponto de vista defensivo e sobretudo estrategicamente desenhado ao detalhe.
Quando se olha para o SC Braga-Sporting de ontem é possível ver mais de uma coisa – e falo só do jogo visto da perspetiva das possibilidades leoninas de ganhar o campeonato. Tirando os que só conseguem ver o jogo do ponto de vista da arbitragem – e para eles falarei só no Futebol de Verdade, às 12h30 –, há os que destacam a solidariedade da equipa de Rúben Amorim, que soube resistir com dez homens durante 72 minutos, e há os que preferem olhar para uma equipa que não foi capaz de produzir jogo de ataque, sendo totalmente dominada pelo SC Braga nesses 72 minutos – e até talvez antes, porque os de Carvalhal já estavam por cima. Eu olho para o jogo e vejo estratégia. No Sporting de ontem, vejo virtudes, vejo defeitos, mas vejo sobretudo estratégia.
É perfeitamente possível olhar para a exibição do Sporting ontem e deixar-se convencer pela enorme demonstração de concentração dada pelos comandados de Coates. Assim que ficou com dez, o leão recolheu, colocou-se em campo de forma inabitual – em 5x4x0, abdicando do homem mais avançado, que lhe serviria tanto de primeiro elemento de pressão como de ponto de referência para as saídas de bola com menos risco – e assumiu que até ao fim seria capaz de aguentar o assédio adversário. Faltava muito tempo, o Sporting passou a defender em 30 metros e deu o resto do campo ao adversário, que foi sempre rodeando, rodeando, bola à esquerda, bola à direita, para fazer dançar o bloco defensivo e procurar espaço dentro dele. Como raramente o encontrou, fruto da tal concentração e competência defensiva que o Sporting mostrou, o SC Braga foi acumulando cruzamentos, que são aquilo que o capitão Coates come ao pequeno almoço, sobretudo se pode encará-los de frente, como aconteceu quase sempre ontem.
Claro que o plano não é perfeito, porque o mais pequeno erro pode ser a morte do artista e porque pela frente o Sporting tinha uma das duas melhores equipas da Liga em ataque posicional. Ali, em Braga, na Liga, o FC Porto sofreu dois golos em 30 minutos reduzido a dez homens, deixando escapar um 2-0 que construíra antes da expulsão de Corona. Mas, lá está: quase nada neste jogo que é o futebol suscita unanimidades. Porque aos que destacam a capacidade de resistência do Sporting no desafio de ontem podem sempre aparecer pela frente – também com razão – os que sublinham que os leões mostraram pouco mais de nada em termos ofensivos. Tiveram um cabeceamento de Paulinho ao lado, antes da expulsão de Gonçalo Inácio, e o lance do golo, numa bola parada, depois disso. Num estádio onde o FC Porto e o Benfica – as águias com um homem a mais, é verdade – chegaram aos 2-0 com relativa tranquilidade, mesmo que depois em casa tenham sentido dificuldades inesperadas ante este mesmo SC Braga.
É por isso que, se ainda houvesse discussão de café acerca de futebol, hoje se falaria tanto de uma capacidade de sofrimento e de uma competência defensiva dignas de campeão como de um futebol demasiado pobre ofensivamente para justificar uma vitória na Liga, que o Sporting ainda não garantiu mas em direção à qual deu um passo importante. Essas conversas, no entanto, eu tentaria levá-las para o plano estratégico que, desempenhado por jogadores que praticamente não cometeram um erro, foi desenhado para permitir o que veio a acontecer. A colocação de Matheus Nunes na ala direita, à procura do que já aconteceu, por exemplo, no Dragão – outro jogo em que o Sporting quase só defendeu e, mesmo assim, teve uma bola de golo nos pés do jovem médio – e de Nuno Mendes mais avançado sobre a esquerda – à procura de um slalom como o que, em Portimão, deu o segundo golo na vitória por 2-0 – foram detalhes estratégicos destinados a explorar a única coisa que o Sporting podia explorar ontem: as investidas rápidas, espécie de “blitzkrieg” no meio do domínio geral do adversário. A troca de Pedro Gonçalves por Tiago Tomás parecia um recuo face ao que foi explicado antes, porque deslocava Matheus Nunes para o corredor central – onde este teria mais dificuldades em causar dano – mas veio no sentido de dar à equipa uma referência na saída de bola, alguém capaz de, ao mesmo tempo, fechar o corredor e receber de costas para a baliza, um pouco para ligar o jogo, um pouco para ganhar faltas que dessem à equipa hipótese de lá chegar em bolas paradas.
E o golo, rigorosamente igual ao da final da Taça da Liga, é o pináculo da validade do plano estratégico desenhado por Rúben Amorim. Se em Janeiro, em Leiria, o livre foi de Inácio para o remate cruzado de Porro, aproveitando a desatenção de Galeno e Sequeira, ontem, em Braga, foi de Porro para Matheus Nunes, aproveitando a desatenção de Borja. Mais do que a primazia do plano defensivo ou da incapacidade ofensiva, o que o jogo de ontem me mostrou foi sobretudo a validade do plano estratégico para ganhar jogos.