A vitória de Varandas
O presidente do Sporting obteve uma vitória importante na aprovação das contas dos últimos dois anos, mas engana-se quem olha para a AG de sábado e acha que ele já garantiu a continuidade.
A aprovação das contas do Sporting relativas aos últimos dois exercícios foi finalmente obtida, num caso à segunda tentativa e no outro à terceira, quando os órgãos sociais do clube tiveram a ideia de marcar a Assembleia Geral a tal destinada para o dia do jogo com o Moreirense, desta forma favorecendo a mobilização de sócios e diminuindo a relevância do grupo a que chamam “minoria de bloqueio”. A operação foi contestada pela oposição por duas ordens de razões. Por ser uma vitória pelo cansaço – há até quem defenda a ilegalidade da apresentação repetida das mesmas contas... – e por ter sido obtida nessas circunstâncias especiais. Mas a mim o que me faz confusão é que, tendo um pingo de conhecimento da realidade do clube, isto não tenha sido feito logo à primeira.
Em relação à questão legal, já o disse na última edição do Futebol de Verdade: há locais para ela ser avaliada e nenhum deles é o Twitter. É nos tribunais que isso deve ser discutido, com gente qualificada a decidir. Já o tema da convocação de uma Assembleia Geral para um dia de jogo não me parece que seja um problema. Não se trata de haver sócios mais clarividentes do que outros, de esta votação se sobrepor às anteriores porque estes sócios são “do bem” e o os outros são “do mal”, mas sim de ter a votar tantos mais sócios quanto for possível, o que não se consegue com Assembleias Gerais marcadas para noites a meio da semana, alturas em que a maior parte deles não se dá ao trabalho de ir votar. Este foi mesmo o primeiro processo de votação seja do que for que vejo ser contestado por haver muita gente a participar – até aqui só vi votações diminuídas pela abstenção.
O que mais me espantou foi que, mais a mais já tendo recebido um aviso na reprovação das contas relativas a 2019/20, há um ano, a direção do Sporting não tenha aprendido com o erro e tenha voltado a apresentar o exercício de 2020/21 a aprovação numa Assembleia Geral com grande potencial para o absentismo. Claro que, num clube como o Sporting, atualmente dividido entre uma maioria essencialmente acomodada e uma minoria inquieta, entre uma maioria que não se chateia muito, quer ganhe ou perca, e uma minoria que se chateia e se mobiliza sempre para fazer barulho, igualmente quer ganhe ou perca, já se sabia que isso equivaleria a chamar os problemas para dentro de casa. Se esta fotografia da massa associativa leonina está correta e não é assim tão difícil de tirar, alguém devia ter pensado nisso antes de marcar a penúltima Assembleia Geral para uma quinta-feira à noite, como aconteceu a 30 de Setembro.
Mas historiemos a situação. A 26 de Setembro de 2020, um sábado, 3115 sócios votaram as contas de 2019/20. Foi uma boa afluência. Só que 69,1% votaram contra. Porquê? Porque tinham algo a apontar às contas propriamente ditas? Não creio. Fundamentalmente porque o Sporting não andava bem dentro de campo, como se comprovou pelos 1-4 apanhados do LASK Linz cinco dias depois. A 30 de Setembro de 2021, uma quinta-feira, já foram apenas 750 sócios a votar negativamente tanto as contas de 2019/20, entretanto re-apresentadas, como as de 2020/21. O primeiro exercício mereceu o voto negativo de 59,2% dos sócios e o segundo de 58,0%. Isto é: mesmo com menos gente a votar, portanto aumentando o peso específico da tal “minoria de bloqueio” de que fala o presidente Frederico Varandas, as contas estiveram mais perto de passar. Porquê? Porque as pessoas tiveram mais tempo para as analisar e lhe encontrar méritos? Não. Essencialmente porque entretanto o Sporting foi campeão nacional de futebol.
Finalmente, no sábado, com muito mais afluência – foram 7009 os sócios a votar –, 83,9% dos votantes manifestaram-se a favor das contas de 2019/20 e 84,5% aprovaram as de 2020/21. Porquê? Essencialmente porque os órgãos sociais personalizaram a votação e tiveram mais sucesso na operação do que António de Spínola no apelo que fez à “maioria silenciosa”, meses depois do 25 de Abril de 1974, para impedir a guinada brusca à esquerda que levou ao Verão Quente de 1975. Frederico Varandas agitou o fantasma do “brunismo” para ver as contas aprovadas e para se ver legitimado a meses de voltar a submeter-se a eleições, o que vai suceder na Primavera de 2022. Rezam as crónicas que com este resultado avassalador está aberto o caminho à reeleição do atual presidente, mas eu não iria tão longe. Para já, ainda estão muito frescas as memórias da festa do título ganho em Maio e não se sabe como vai correr esta época dentro do campo – recordo os resultados de Setembro de 2020, também obtidos a um sábado, embora não dia de jogo em Alvalade. Por outro lado, a tal “minoria de bloqueio” continua a ter apenas um fator de união, que é a figura de Bruno de Carvalho – ainda por cima ausente por circunstâncias que não dependem sequer da sua própria vontade. Não se sabe como se comportará esta oposição se encontrar uma figura não tão sebastiânica e mais plausível de vir a ser um real fator de congregação.
Varandas conseguiu no sábado uma vitória que foi legítima e foi igualmente importante, mas ainda não tem o caminho atapetado até à reeleição. E é por isso que os próximos meses vão ser muito interessantes de seguir na política sportinguista.