A UEFA, o dinheiro e Eriksen
Muitos foram contra a continuação do Dinamarca-Finlândia depois do colapso de Eriksen. "É sempre o dinheiro que importa". Mas é importante perceber que o dinheiro não condenou Eriksen. Salvou-o.
Há gente que só está bem a protestar, a contestar. E sim, há coisas que merecem contestação e não podemos ser nós a definir acerca do que é que as pessoas protestam – cada um sabe de si e das suas razões. Mas no caso do drama que foi – e bem podia ter sido uma tragédia… – o colapso de Christian Eriksen durante o Dinamarca-Finlândia não vejo qualquer razão nos contestatários. A UEFA decidiu continuar o jogo e na minha opinião fez muito bem. “Só lhes importa o dinheiro”, lamentaram. Não, respondo eu, sem ter sido mandatado para tal. À UEFA importou a integridade da competição que é seguida por todos nós, quer haja dinheiro ou não envolvido.
Quando o jogo recomeçou, felizmente, Eriksen estava já estável, no hospital. Até já tinha tido a oportunidade de falar, por vídeo-chamada, com os companheiros que tão humanamente o haviam protegido da curiosidade mórbida das câmaras, que durante uns breves instantes não respeitaram as instruções da UEFA para estas situações e se fixaram no dinamarquês caído. “Não há um caderno de encargos para este tipo de situações”, contou o realizador do jogo, Jean-Jacques Amsellem, ao L’Équipe, no dia seguinte, revelando que mesmo assim impôs aos operadores de câmara que não filmassem Eriksen naquela situação de vulnerabilidade total. “Com mais de 30 câmaras no estádio podíamos tê-lo feito”, explicou. A barreira humana que tanto nos impressionou e voltou a lembrar-nos do que é uma equipa terá sido mais simbólica – e tanto protegeu Eriksen como os espectadores que estavam no estádio e que não tinham bilhete para aquilo.
Mas assim que Eriksen estabilizou – e nunca é demais enaltecer o trabalho brilhante feito pelos socorristas no relvado – a UEFA deu aos jogadores a opção. Querem jogar hoje ou amanhã? E entram os contestatários: como é possível deixar uma decisão destas nas mãos de um grupo de atletas em choque e claramente inabilitados para tomar uma decisão que se quer racional? Viu-se na segunda parte do jogo, no frango de Schmeichel, no penalti falhado por Hojbjerg, que os dinamarqueses não estavam em boas condições para jogar. Mas alguém acha que estariam no dia seguinte, seguramente depois de uma noite sem dormir, a reviver um momento traumático?
Vamos a ver: aqui não há bom nem mau, não há certo nem errado. Se a UEFA tivesse decidido sem perguntar aos jogadores revelaria insensibilidade. “Como é possível impor a um grupo que continue a jogar quando um deles está no hospital a lutar pela vida?”, perguntariam. Como lhes perguntou, revela imaturidade. Se decidisse jogar na manhã seguinte, a UEFA estaria a condenar os jogadores a viver o pesadelo durante mais 14 horas – ou alguém acha que eles iam dormir e seguir em frente? – e a reduzir o tempo de recuperação até à próxima partida, em prejuízo da Finlândia, que joga na quarta-feira com a Rússia em São Petersburgo. Se decidisse anular o jogo e dar o 0-0 como resultado final estaria a prejudicar as duas equipas, que mais tarde, em caso de eliminação, ficariam inevitavelmente a lamentar os dois pontos perdidos naquela ocasião e a perguntar: e se se tivesse jogado? Teríamos ganho? Continuaríamos em prova?
No caso da continuação do Dinamarca-Finlândia, a UEFA pode até ter decidido em função do dinheiro. Se pensam isso, no entanto, já o disse aqui várias vezes, deixem de ver futebol de alta competição, porque o dinheiro está lá sempre. Seguro é que, neste caso, a UEFA decidiu em função da integridade da competição – e no meu ponto de vista tomou a melhor decisão possível num cenário muito indesejável. Quanto ao dinheiro, limitem-se a agradecer. Porque se, em vez de ter caído num jogo do Campeonato da Europa, competição que move dinheiro a rodos e, assim, além de encher os bolsos a muita gente, permite que nos seus jogos existam meios de socorro quase ilimitados, Eriksen tivesse caído a jogar futebol com os amigos ou num jogo de uma divisão secundária, no tal futebol puro, sem o dinheiro da UEFA e dos seus patrocinadores, o mais certo era neste momento a namorada e os dois filhos estarem hoje a lamentar a sua morte.
O dinheiro, esse vil metal que todos culpam por esse atropelo à integridade da vida humana que terá sido a continuação do Dinamarca-Finlândia, não condenou Eriksen. Salvou-o. E já era tempo dos profissionais da contestação o entenderem.