A teoria do encaixe e do desencaixe
Tal como Conceição resistiu anos a fio a quem lhe dizia que o FC Porto jogava sempre igual, Amorim tem de fazer orelhas moucas às sereias da mudança. O Sporting ainda não domina o desencaixe.
O FC Porto ganhou vantagem sobre o Sporting nas meias-finais da Taça de Portugal (2-1), graças a uma noção mais equilibrada enquanto equipa dos momentos a aproveitar. Os leões foram melhores enquanto o jogo esteve encaixado – até ao 1-1 –, mas os dragões foram muito melhores quando ele desencaixou – depois dos 60’. O que é curioso, porque o encaixe foi fruto da preferência estratégica de Sérgio Conceição e o desencaixe, podendo resultar de uma série de fatores técnicos, táticos, físicos e até emocionais, não só nunca foi travado por Rúben Amorim como o treinador leonino até o procurou quando quis ir atrás do resultado. E é também isso que nos diz que a eliminatória está viva. Mas que para a discutir, no Dragão, o Sporting precisa de um jogo encaixado. E paciente.
É normal que o FC Porto de Sérgio Conceição tenha já mais trabalho de treinador do que o Sporting de Rúben Amorim: Conceição vai completar cinco anos no clube no final da época, enquanto Amorim faz dois esta semana em Alvalade. Durante muito tempo se disse que o FC Porto de Conceição jogava sempre igual – agressividade, explosão e ataque à profundidade. O treinador do FC Porto irritava-se quando o ouvia, parecia ver naquilo uma crítica ao trabalho que estava a fazer, mas não mudava, porque era assim que a equipa se sentia confortável, era isso que aqueles jogadores faziam bem. Para se mudar, é preciso tempo. E trabalho. E capacidade dos jogadores para usarem o músculo mais importante num jogo de futebol, que como dizia Cruijff é “o cérebro”. Nesse particular, este FC Porto cresceu muito. Já Amorim, por sua vez, anda a ouvir que o Sporting joga sempre igual, que nunca muda a estrutura, que devia ter um Plano B, que é teimoso porque não quer alterar. Pois bem, o que os últimos jogos mostraram é que, para os leões, ainda é cedo para mudar além das nuances que lhe são dadas pelas diferentes caraterísticas dos diferentes jogadores em cada posição, porque o trabalho e o tempo capazes de tornar essa mudança estrutural efetiva ainda não está feito. E porque os jogadores ainda não são capazes de raciocinar e manter a frieza quando as condições mudam.
O encaixe e o desencaixe não existem um sem o outro, porque um condiciona a noção coletiva que uma equipa tem do outro. A tendência mais normal dos jogos é para o encaixe – até porque é com essa ideia em mente que os jogadores saem da preleção dos treinadores. Assim foi ontem, com uma ajuda de Conceição, que mandou Uribe baixar para o espaço entre os dois centrais, a encaixar em Paulinho, impedindo que Mbemba e Pepe fossem apanhados na curva pelas movimentações dos avançados-exteriores do Sporting, e ordenando ainda a Fábio Vieira e Taremi que condicionassem a saída de bola dos centrais de fora do adversário, para lhe diminuir a qualidade na primeira fase de construção. Não há uma verdade absoluta acerca do que é melhor nestas circunstâncias: manter a identidade de forma rígida ou adaptar ao adversário? O FC Porto adaptou-se e ganhou, mas enquanto o jogo esteve neste encaixe que a adaptação promoveu, quem foi melhor foi o Sporting. Ao intervalo, a GoalPoint contava 3-1 em remates e 14-2 em ações na área adversária, a favor dos leões – que, no entanto, decidiram e executaram muitas vezes mal em zonas de criação, não só fruto da precipitação como da excessiva demora no passe e na preferência por carregar a bola em vez de aproveitar os espaços.
Mas depois há uma questão importante: poderia o jogo desencaixar na segunda parte a favor dos dragões, não tivessem eles encaixado durante os primeiros 60’? Provavelmente não. E foi por isso que, ontem, Sérgio Conceição jogou melhor com os momentos do jogo – e a prova de que isso foi estratégico está no facto de João Mário, Pepê e Otávio estarem já prontos para entrar quando se deu o lance do penalti. Estrategicamente, o FC Porto preparou o jogo para encaixar primeiro e para, depois, aproveitando a presumível precipitação do adversário se as coisas não lhe estivessem a sorrir, desencaixar no final. O que também dá razão a Amorim quando ele diz que o que mudou foi o penalti do 1-1, que levou à desorientação da sua equipa. Seriam João Mário, Pepê e Otávio tão importantes se o jogo estivesse no 1-0? É possível que não. O Sporting esteve por cima até aos 60’, mas a partir daí não foi capaz de impedir o seu próprio desmoronar final, gerando o desencaixe. Mesmo que influenciados sobretudo por 30 minutos de anarquia, na qual se impuseram a superior capacidade adaptativa dos jogadores portistas – lá está, mais tempo de trabalho, mais noção do que fazer em cada momento... – os números da segunda parte foram muito diferentes: 2-7 em remates e 9-19 em ações na área adversária.
E aqui, é evidente, não há só uma razão a explicar o que se passou. O FC Porto preparou o jogo assim, mas contou com a falência tática e emocional do adversário, que a partir de certa altura mudou o sistema e os posicionamentos e passou a centrar-se mais no árbitro do que no futebol. A primeira parte da questão também tem a ver com o treinador, que tantas vezes aponta aos jogadores o facto de terem demasiada pressa e ontem quis mudar demasiadas coisas quando ainda faltavam duas horas para o fim desta semifinal. A segunda vem de cima e esteve bem à vista, por exemplo, nas declarações dos adeptos no “vox-pop” da RTP3, depois de terminado o jogo. Não houve quem não repetisse a teoria do “são 40 anos disto”. E esta abordagem, se é estratégica, não pode chegar ao balneário. Sob pena de os futebolistas terem mais uma tarefa a resolver antes de entenderem o que é que cada jogo quer deles.
Ontem pode ter-lhe escapado:
(Mas ainda pode ler ou ver clicando na imagem)
AT a live ainda está ligada!!
Caro Tadeia, digo sempre a mesma coisa: para mim não há jogadores insubstituíveis. Vão-se embora e treinador inteligente é aquele que se adapta à nova realidade sem a estrela ou estrelas. Para mim, há jogadores fundamentais, que na estratégia de um treinador, são peças importantes. Hoje, quem por aqui andou e anda sempre a criticar, por exemplo, Palhinha, sente que o jogador faz falta ao jogo do SCP. Não é aquela ideia mirabolante de que sem ele o SCP perde. Nada disso. Os resultados assim o comprovam. O SCP ganha mesmo sem ele. O FCP ganha mesmo sem Luiz Diaz, que diziam ser insubstituível. Mas, de facto, sem Palhinha, o jogo do SCP é diferente. Não é para melhor ou pior. É diferente.