A Taça da Liga e a caminhada dos condenados
O calendário foi apertado pela pandemia, mas à exceção dos europeus toda a gente podia ter feito mais jogos. Este modelo é injusto e nem esconde que só quer uma coisa: os grandes na Final Four.
A ideia segundo a qual o segredo para a fluidez do futebol do Sporting de Rúben Amorim tem sido o tempo que a ausência nas provas europeias lhe deu para treinar foi um pouco posto em causa pela forma bem mais perra com que a equipa quase totalmente alternativa bateu ontem o CD Mafra para assegurar a presença na Final Four da Taça da Liga. O onze que jogou uma velocidade (pelo menos) abaixo do habitual, não por falta de vontade mas por falta de mecanização, também tem treinado. O que lhe falta é outra coisa: são jogos, os jogos que têm servido ao onze habitualmente titular para afinar processos, lhe permitem subir o nível e me levam a concluir que a Liga foi mais uma vez longe demais na proteção aos grandes na edição deste ano da Taça da Liga, da qual excluiu 26 equipas, condenando quatro outras a um passeio até aos estádios dos clubes dominantes que mais se parece com a caminhada do condenado à morte em direção ao cadafalso. Lembram-se do filme de Tim Robbins, com Sean Penn e Susan Sarandon? “Dead Man Walking!”
Toda a gente sabe que o interesse da Liga é ter FC Porto, Benfica, Sporting e SC Braga na Final Four, que assim se transforma num evento muito mais atrativo para público – que este ano nem há –, operadores de televisão e patrocinadores. A Liga fez muito bem o seu trabalho de marketing na criação da Final Four e na invenção da figura do “campeão de inverno” e, se em tempos lhe faltava um pingo de vergonha na forma como facilitava o caminho aos poderosos para lá chegar, dando-lhe o estatuto de cabeças de série no sorteio, por exemplo, bem como a entretanto extinta possibilidade de fazerem mais jogos em casa na fase de grupos, este ano viu na pandemia a justificação ideal para voltar a radicalizar esta forma de ver a competição. Dir-me-ão que mesmo assim só por uma vez nestes quatro anos desde que foi criado o evento (em 2019) é que tivemos o pleno das quatro melhores equipas da Liga na Final Four. Que há um ano, por exemplo, lá faltou o Benfica, afastado precisamente pelo mesmo Vitória SC que hoje se desloca à Luz pelo direito a estar no evento marcado para Leiria na terceira semana de Janeiro. Mas mesmo no ano passado o Vitória SC não ganhou ao Benfica para lá estar: foi empatar à Luz e depois, sim, fez melhor do que a equipa então treinada por Bruno Lage nos jogos com Vitória FC e SC Covilhã.
Muita gente considera que a Taça da Liga é uma prova sem sentido no futebol português. Pois se nem dá acesso às competições europeias… Discordo em absoluto. Acho que a competição faz todo o sentido no panorama competitivo do futebol nacional. Simplesmente considero que nunca, nem uma só vez, desde a sua criação, em 2007/08, a prova cumpriu os desígnios desportivos que naturalmente poderiam ser-lhe associados. Que desígnios? Precisamente levar os grandes aos campos de província, de II Liga, durante o Verão, logo no início de época, como uma espécie de aquecimento para o campeonato, quando ainda há fome de bola por parte dos adeptos e emigrantes em Portugal. Melhorou do ponto de vista do marketing com a direção de Pedro Proença, mas desportivamente continua a ser a criatura enfezada que saiu do executivo de Fernando Gomes a precisar de incubadora. Idealmente, vejo a Taça da Liga com as prioridades invertidas. Onde a prova começa logo por reduzir os clubes a metade, através da criação de uma eliminatória da qual exclui os mais fortes, vejo a possibilidade de “evangelização”, de levar os grandes à província, criando logo ali uma fase de grupos com todos os envolvidos. Depois, onde a prova introduz a fase de grupos, dividindo os grandes pelos quatro acessos à Final Four, eu vejo eliminatórias, com mais aleatoriedade. Tudo culminando na Final Four, sim, que o evento único é a melhor ideia associada à Taça da Liga desde a indiscutível boa ideia que foi a sua criação.
Mas isto seria em condições normais, dir-me-ão. O modelo desta época, com eliminatória única, jogada em casa dos grandes e envolvendo os seis primeiros da I Liga e os dois primeiros do segundo escalão, distribuídos de forma justa à moda dos “play-off”, fundou-se numa compreensível necessidade de apertar o calendário. A temporada começou mais tarde, em meados de Setembro, devido à necessidade de completar a anterior, e tem final previsto na mesma na terceira semana de Maio, com a final da Taça de Portugal, porque a seguir vem aí o Europeu adiado do Verão passado. É por isso que é preciso comprimir, pois pelo meio há na mesma todas as competições, incluindo as europeias e as de seleções. É por isso também que, este ano, o modelo da minha predileção não seria exequível – era o que faltava estar a obrigar o FC Porto, o Benfica e o SC Braga a fazerem mais jogos, quando andam assoberbados com desafios de três em três dias.
Este ano, sim, a proteção aos “europeus” fazia sentido. Mas e os outros? Havia alguma razão para que os outros não pudessem jogar na mesma pelo direito a bater-se com os mais fortes nestes quartos-de-final? Ou para que o local desta eliminatória não pudesse ser na mesma sorteado? Não. Quem não andou na UEFA teve datas para poder jogar e podia ter animado a Taça da Liga. Treinava menos? É verdade. Mas jogava mais. E, como se viu a propósito deste onze alternativo do Sporting, isso não teria sido uma má ideia.