A sorte do jogo
O Benfica perdeu com o Bayern com naturalidade e justiça nos números. Não foi goleado por ter tido azar, mas se tivesse tido sorte podia ter tirado alguma coisa do jogo.
É fácil olhar para o Benfica-Bayern Munique de ontem e pensar que podia ter corrido de outra maneira. Os encarnados repetiram a derrota caseira por quatro golos que já assombrara o Sporting (com o Ajax) e o FC Porto (com o Liverpool FC), mas mantiveram o empate até aos 70’ e só na ponta final se desmontaram completamente, devido a um misto de desalento com desgaste e desorganização. E fácil olhar para o jogo e sustentar que se o Benfica tivesse feito um golo nesses 70’ as coisas podiam ter sido diferentes. Mas seria ilusório defender que os 4-0 finais se deveram ao azar. O que aconteceu foi exatamente o contrário: para tirar alguma coisa do desafio de ontem, o Benfica teria, isso sim, de ter tido a sorte do jogo. Podia ter acontecido, mas mesmo nesse período de equilíbrio no resultado, nesse período em que Neuer fez duas defesas enormes, o Bayern já era a melhor equipa em campo. Como o é na generalidade das vezes em que pisa os relvados.
É claro que muito do que aconteceu ontem na Luz se explica com o triplo fator a que aludi acima – e nada disso tem a ver com sorte ou azar. Há uma equipa que se supera enquanto vê o objetivo ali perto, ao alcance de um momento feliz, e que depois desaba quando é forçada a chocar de frente com a realidade. O livre direto de Sané, no qual é possível descobrir muito mérito do marcador mas também o comportamento deficiente da barreira e até do guarda-redes, veio dizer ao Benfica que muito daquilo por que estava a lutar não ia ser alcançado. E o desânimo raramente é amigo de boas performances, ainda mais se conjugado com a fadiga própria de quem não está habituado a jogar àquela intensidade durante tanto tempo e ainda vê o adversário acelerar – incluir Gnabry no jogo naquela altura teve requintes de malvadez. Mas se é verdade que, com sorte, o Benfica até podia ter chegado aos 70’ em vantagem, já não é verdade o que disse Jorge Jesus, que a sua equipa estivera “mais perto do 1-0 do que o Bayern”.
Tal como Neuer, nos lances de Darwin (aos 33’) e Diogo Gonçalves (aos 55’), também Vlachodimos impedira já o golo alemão num par de situações, opondo-se a Lewandowski aos 9’ e a Pavard aos 46’, neste caso com o auxílio dos ferros da baliza. Os alemães viram ainda dois golos anulados pelo VAR, um devido a toque com a mão é o outro num fora-de-jogo limite, com movimentações da linha defensiva que correram bem ao Benfica, mas que também podiam ter corrido mal. No final, de acordo com a estatística fornecida pelo GoalPoint, o Bayern fez praticamente o triplo dos remates (21-8), teve o dobro das ações na área atacante (33-16), além de ter tido a bola em sua posse por 64% do tempo e ter produzido situações de golo suficientes para a vitória confortável que acabou por levar para casa – os alemães acabaram com um índice xG (Golos Esperados) de 3,1, contra os 0,7 do Benfica. E apesar de Jesus ter montado a equipa para se aguentar no embate do ponto de vista defensivo e depois surpreender no ataque rápido, pedindo largura e profundidade tanto a Yaremchuk como sobretudo a Darwin, mas deixando Rafa um pouco a meio caminho entre a capacidade de aceleração e a necessidade de garantir equilíbrio, a maior conquista do Benfica esteve na forma como conseguiu expor a debilidade de alguns jogadores bávaros – Süle acima de todos. É que, mais uma vez recorrendo ao xG, vemos que o Benfica foi quem mais ocasiões de golos permitiu ao Bayern nesta Champions – o FC Barcelona consentira 2,3 e o Dynamo Kiev 2,6 – mas também foi quem mais perto esteve de lhe fazer um golo – os ucranianos tinham ficado nos 0,3 e os catalães ainda mais abaixo, nos 0,2.
No fundo, o que estes dados e a observação do jogo nos dizem é que este Bayern não é do lote das outras três equipas do grupo. Em condições normais, tendo em conta que lhes faltam dois jogos em casa e a deslocação a Kiev, para defrontar a que parece ser a equipa mais fraca do lote, se ninguém tiver a tal sorte dos jogos, os bávaros chegarão ao final com os 18 pontos correspondentes a seis vitórias. E se o Benfica acabar por ver frustrada a tentativa de obter a qualificação não terá sido por culpa da derrota de ontem ou sequer pela sua expressão – o Bayern leva 12-0 em golos, pelo que os 4-0 são mesmo a média aritmética dos seus resultados – mas sim pelos dois pontos que deixou em Kiev na jornada inaugural. Se vier de Munique com zero pontos daqui a duas semanas, ao Benfica só restam duas alternativas: ou confia que o Dynamo é capaz de fazer a mesma coisa ao FC Barcelona, caso em que até poderá perder no Camp Nou desde que ganhe ao Dynamo na Luz no último dia, ou terá mesmo de encarar a viagem à Catalunha na perspetiva de trazer de lá pelo menos um empate.