A seleção e os três centrais
Parece cada vez mais evidente que Portugal vai começar a jogar em 3x4x3, o sistema que Martínez já usava na Bélgica. Aqui ficam algumas respostas às perguntas que podem surgir-lhe ante a mudança.
João Félix foi o primeiro jogador da seleção nacional a falar à comunicação social depois da chegada de Roberto Martínez e, não querendo dizer se a equipa vai passar a jogar com três defesas-centrais, como fazia a Bélgica conduzida pelo treinador espanhol, entregou um pouco os pontos ao revelar que o selecionador explicara o que queria ver nas “dinâmicas ofensivas e nas relações entre os alas e os avançados”. São três centrais, portanto. O 4x3x3 ou o 4x2x3x1 não têm alas – têm defesas laterais e extremos. O 4x4x2 tem alas, mas partir dele seria uma enorme traição às caraterísticas da maior parte dos nossos jogadores decisivos, porque o 4x4x2 mete sempre muita gente por fora e Portugal tem muita gente que precisa, isso sim, de jogar por dentro – além de que não tem propriamente pontas-de-lança clássicos, daqueles que ficam na área à espera de cruzamentos para dar a estocada final. A polémica que vai seguir-se, talvez mesmo antes de a seleção perder os primeiros pontos, vai ser a da excessiva acumulação de unidades defensivas. “Para quê cinco defesas?”, perguntarão. A questão é que não são cinco defesas. Isto é: podem ser, mas na maior parte das vezes serão três, porque os “alas” não são defesas laterais, são “alas”. “Mas não são os mesmos jogadores em 4x3x3 ou em 3x4x3?” Sim e não. Sim, são os mesmos jogadores, porque em qualquer dos dois sistemas Portugal jogará com Cancelo à direita e Nuno Mendes (ou Guerreiro) à esquerda. Mas não, não serão os mesmos jogadores, porque terão dinâmicas diferentes num e noutro sistema. Com dois centrais serão defesas laterais, obrigados, por exemplo, a subir à vez – a não ser que a equipa deixe dois médios muito posicionais – e a baixar para formar linha de quatro assim que a equipa perca a bola. Com três serão os tais “alas”, que podem estar em simultâneo na frente, a formar com um dos médios e os outros dois avançados a linha de cinco que se impõe no apoio do ponta-de-lança e a pressionar alto no momento de transição defensiva, em reação à perda. E eis que surge a última questão: “Mas é preciso isso para jogar com o Liechtenstein?”. Provavelmente não, mas do que se trata aqui é da construção de uma identidade. Portugal estará a dar os primeiros passos numa nova forma de estar em campo, uma forma que, lá está, permitirá ter mais gente no espaço interior. Passará, por exemplo, a haver lugar para um ponta-de-lança, mais dois avançados interiores e dois médios, além de poder ser dada aos centrais a hipótese de subirem em construção. Que o 4x3x3 apresenta dificuldades a esta equipa, já o sabemos há muito tempo. Que o 4x4x2 assimétrico que Fernando Santos tentou adotar do FC Porto de Conceição não as resolve, também já o vimos. Veremos agora como corre com o 3x4x3. Eu, por mim, estou curioso.
O regresso do velhote. Quando é que um tipo deixa de ser um percursor? Quando é que se olha para ele e se começa a pensar que saiu do centro de dia mais próximo, calçou umas chuteiras, vestiu uns calções, pôs um apito ao pescoço e começou a armar-se em treinador? Roy Hodgson já é o treinador mais velho da história da Premier League, mas prepara-se para bater o seu próprio recorde no dia 1 de Abril, quando conduzir o Crystal Palace na receção ao Leicester City, a primeira de várias batalhas para evitar a descida ao Championship – e não está fácil, tendo em conta os 13 jogos sem vitórias que o clube acumula em 2023. Aquele que, na imperdível banda desenhada futebolística do The Guardian, David Squires desenha hoje de boné virado ao contrário, vestindo-lhe um blusão que parece saído de uma boys band dos anos 80 e chamando-lhe “o mais jovem septuagenário do sul de Londres”, já terá mais de 75 anos e sete meses quando voltar ao seu clube de infância, o mesmo que lhe deu abrigo após a passagem pela seleção inglesa. Mas Hodgson, que hoje é visto com a mesma complacência que se dá sempre aos mais velhos, presumivelmente menos preparados do ponto de vista científico face à facilidade dos mais jovens com as novas ferramentas de conhecimento, tem uma vantagem, que é a capacidade para manter as coisas simples. Hodgson é mais do que o homem que moldou toda uma geração de treinadores suecos ao hiper-simplificado 4x4x2 que era a única coisa que se jogava em Inglaterra e que ele levou com ele para o Halmstads, onde foi campeão pela primeira vez em 1976. Hodgson é o tipo que, depois de quatro anos sempre acima da linha de água neste mesmo Palace, de 2017 a 2021, e de fracassar na tentativa de salvar o Watford, em 2022, apareceu como comentador televisivo a dizer coisas tão simples acerca da sua agora nova equipa como “eles parecem sofrer com coisas como marcar golos”. Identificado o problema, agora é virar o boné para trás e pôr a máquina em andamento.
Um ano perdido. Daniel Bragança lesionou-se com gravidade a 9 de Julho. Passaram já nove meses e o criativo do meio-campo do Sporting continua o longo processo de recuperação. Se fosse jornalista, engenheiro, arquiteto ou professor, regressaria quando pudesse e ninguém iria duvidar da sua capacidade para ser igual a si próprio. Tratando-se de um atleta de alta competição, as dúvidas são legítimas. Terá ele a mesma mobilidade? A mesma flexibilidade? A mesma confiança e destreza? Ninguém sabe. Faz bem o Sporting se, como se lê no Record de hoje, lhe oferecer uma extensão de contrato, porque havendo potencial – e há – é nestas alturas que os clubes têm de mostrar confiança nos seus meios humanos. Bragança perdeu um ano, mas ninguém sabe o que teria sido a temporada dele – e por inerência a da equipa – se ele não se tivesse lesionado. Rúben Amorim começou a época com quatro médios, que eram Ugarte, Morita, Bragança e Matheus Nunes, e antes do fim de Agosto perdeu dois, um por infelicidade e o outro por uma mistura de necessidade de tesouraria com inabilidade para planear. A época do Sporting começou a patinar ali, mas não há razões para que não possa recomeçar por onde falhou. Um ano depois.
Além de querer impor a identidade da equipa, não podemos esquecer que Pepe já tem 40 anos, e é preciso haver uma sucessão. Não acho errado ter tantos defesas, achei errado levar tão poucos para o mundial.
Se é para 3 centrais.. Inácio dias e António Silva