A seleção e o enésimo exame a Ronaldo
Espalha-se pelas redes sociais a ideia de que Portugal joga melhor sem Ronaldo. Fernando Santos discorda (e eu também). Mas hoje é dia de exame ao CR7.
A seleção nacional joga hoje em Estocolmo um desafio fundamental para a defesa do título de campeã da Liga das Nações. Porque é o jogo da reintegração de Cristiano Ronaldo e o capitão tem de dar aos críticos razões para deixarem de alimentar a noção que começa a alastrar de que a equipa joga melhor sem ele. Porque é o jogo no terreno de um outsider, de onde a França – maior rival lusa a caminho da Final Four – já levou três pontos. E porque pode pôr em cheque o tradicional conservadorismo de Fernando Santos, que certamente quererá fazer diferente dos outros selecionadores vitoriosos nesta segunda jornada e manter a maior parte do onze que tão boa conta de si deu no jogo com a Croácia.
Primeiro, Ronaldo. Fernando Santos já se pronunciou acerca do tema, aparentemente após pergunta de um jornalista sueco, o único a ter o são descaramento de lhe perguntar aquilo que as redes sociais têm vindo a difundir como tese popular. Tal como o selecionador, não creio que Portugal possa ser melhor sem Cristiano Ronaldo. Nem em nome de um hipotético acanhamento dos restantes elementos da equipa – que se veriam sempre constrangidos a dar-lhe a bola para ele brilhar – nem da orientação exclusiva do capitão para a finalização nem sequer de princípios estéticos que são e serão sempre subjetivos. Se é verdade que, em tempos, esta equipa jogava apenas em função daquilo que podia dar-lhe Ronaldo, o facto de ter já uma série de outras figuras grandes apagou essa limitação: há na seleção nacional de hoje luz própria, bem visível sem ser apenas o reflexo do brilho do seu astro maior. Gente como Bernardo Silva, Bruno Fernandes ou até João Félix já marca a agenda internacional por si só, sem precisar de lembrar que partilha balneário com o CR7. E nunca colocaria o interesse da maior estrela à frente dos seus próprios ou, havendo frieza de raciocínio e de decisão, dos da equipa.
Outra questão que se coloca é se a presença de Ronaldo muda o plano de jogo. E aí, sim, creio que isso sucede. Já terá havido tempos em que Portugal era sobretudo uma equipa forte em momentos de transição, porque assim que se ganhava a bola se aperfeiçoava a velocidade de a colocar à frente do capitão para ele poder finalizar. O próprio Ronaldo finalizava demasiado, muitas vezes em situações em que o mais aconselhável era criar, passar, temporizar… Hoje, já não é tanto assim, porque Ronaldo também cresceu como jogador e porque a equipa viu – na anterior Liga das Nações – que pode render sem ele. Agora, o que sucede – e é normal que suceda – é que as soluções ao dispor do coletivo mudem com o capitão em campo, que o futebol seja menos rendilhado e mais objetivo. O que não é mau nem bom, não é bonito nem feio, não nos leva a jogar melhor nem pior. Depende sempre do gosto de cada um. Creio que o jogo de hoje pode ser importante também para ver qual é a ideia de Fernando Santos: se o selecionador nacional mantiver os mais criativos Bernardo e Félix no onze e sacrificar o mais objetivo Jota (e sobretudo se Ronaldo começar a partir da esquerda e não ao meio, onde seria tantas vezes forçado a jogar de costas para a baliza), a inclinação é para manter a equipa de futebol entre o rendilhado e o prático; se mantiver Jota e Ronaldo, mais a mais num jogo fora de casa e contra um adversário que se espera atrevido, procurará um futebol mais direto à finalização e com menos controlo.
Porque há sempre a questão do adversário. A Suécia é, como também disse Santos, um rival forte. E o grau de exigência do jogo aumentou a partir do momento em que a França já ali ganhou. A Liga das Nações é uma prova de elevado nível competitivo, cujo nivelamento faz lembrar as antigas qualificações para Mundiais e Europeus, quando todas as seleções tinham uma palavra a dizer. Será extraordinariamente difícil alguém chegar ao fim da fase de grupos perto do pleno de pontos, porque em vez de dois jogos a doer e seis ou oito a passear, aqui todos os jogos podem cair para qualquer dos lados. Para Portugal chegar aos confrontos com a França, em Outubro e Novembro, pelo menos em igualdade de circunstâncias, deverá ter de igualar a performance francesa em Estocolmo, porque aquilo que se viu da Croácia no Dragão não faz crer num resultado positivo dos comandados de Dalic em Paris e é possível que os grupos de hoje sejam os primeiros a exibir equipas com seis pontos ao fim dos dois jogos iniciais.
O que me leva à questão final: a rotatividade. Santos é um conservador e a teoria é a de que, mesmo em pré-época e com apenas 72 horas de recuperação e uma viagem pelo meio, vai fazer apenas uma alteração no onze, de forma a promover o regresso de Ronaldo. É verdade que a resposta da equipa no jogo com a Croácia foi excelente, mas o que os jogos da segunda jornada têm aconselhado não é isso. A Itália ganhou ontem à Holanda mantendo apenas quatro homens do onze que tinha empatado com a Bósnia: o guarda-redes Donnarumma, o defesa Bonucci, o médio Barella e o avançado Insigne. Do outro lado os holandeses fizeram só duas mudanças, incluindo Bergwijn e Wijnaldum. Na véspera, a Espanha goleara a Ucrânia mantendo cinco dos titulares do empate com a Alemanha. E os alemães, que só mudaram de guarda-redes e trocaram Ginter por Çan, não foram além de mais um empate, desta vez com a Suíça. Em condições normais, as 72 horas de repouso já aconselhariam alguma rotatividade. Em pré-época, numa altura em que normalmente os jogadores fazem particulares e não ficam em campo por mais de 60 minutos, essa noção avoluma-se. Veremos mais logo até que ponto isso influi na decisão do selecionador.