A segurança de uma barragem
Os castores montaram uma barragem segura à frente da área e causaram ao Benfica mais dificuldades do que seria de esperar. Os encarnados ganharam com justiça mas dificuldades. E já são líderes.

O Benfica teve de sofrer mais do que o esperado para vencer um debilitado mas organizado FC Paços de Ferreira, por 3-2, em jogo que tinha sido adiado da terceira jornada da Liga. Não nos parâmetros estatísticos, que foram amplamente favoráveis aos novos líderes da prova, mas sim nas sensações que a partida deixou, pois os pacenses acabaram a rondar a baliza de Vlachodimos e, já em período de compensação, o avançado Koffi chegou um pouco atrasado a um cruzamento de Ibrahim que podia ter-lhe proporcionado um memorável hat-trick e um empate certamente irreversível. Neres, João Mário (de penalti) e Gonçalo Ramos marcaram os golos com que a equipa de Roger Schmidt reagiu a um tento inaugural dos comandados de César Peixoto, que parecem valer mais do que os zero pontos que somam ao fim de quatro jogos.
O resultado acaba por ser simpático para a equipa visitante, que foi dominada em quase todos os índices: acabou com dois golos marcados para um xG de 0,7, por exemplo, evidenciando uma grande capacidade de aproveitamento das situações em que se acercou das redes. Todos os parâmetros nos dizem que o Benfica foi amplamente superior: os encarnados justificaram os três golos que marcaram com um xG de 3,3, acabaram com 27-3 em remates e com 42-10 em ações dentro da área adversária, por exemplo. Mas, sem poder contar com doze ausentes e limitado até nos jogadores que levou para o banco – apenas cinco –, Peixoto desenhou uma estratégia que passava mesmo por aí, por uma aceitação do domínio do Benfica, por uma proteção da sua baliza com duas linhas bem disciplinadas e, pela busca daquelas que já se viu serem as maiores vulnerabilidades da equipa de Schmidt – as costas dos laterais, exploráveis desde que a equipa mostrasse critério e calma a jogar desde trás.
O jogo começou, por isso, com mais iniciativa da equipa da casa, mas uma atenção particular dos homens do FC Paços de Ferreira à dinâmica de contra-movimentos habitualmente feita pelos quatro da frente do Benfica. Para tal, os castores abdicavam até de condicionar a saída de bola do adversário, abandonando o ponta-de-lança, Koffi, aos quatro homens que Schmidt costuma reservar para esta tarefa, os dois centrais e os dois médios-centro. E Koffi ficava lá, não tanto para procurar alguma recuperação de bola, mas sobretudo para servir de referência e de apoio frontal caso a equipa viesse a ganhar a iniciativa mais atrás. Porque era mais atrás que o FC Paços de Ferreira jogava todas as fichas, com uma linha de cinco defesas, que interiorizava Antunes como central esquerdo e baixava Bastos para lateral e, muito perto desta, uma segunda linha de quatro, na qual se integravam os dois extremos, o brasileiro Kayky à direita e o neerlandês Thomas à esquerda. Como o Benfica tardava em soltar um dos quatro de trás para criar desequilíbrios mais à frente, estes nove jogadores iam sendo suficientes para emparedar o ataque encarnado, que apresentava a mesma dinâmica de sempre, com cinco homens – os dois laterais, projetados desde cedo, e os três apoiantes de Gonçalo Ramos a mostrarem-se mais por dentro – em sucessivos contra-movimentos, nos quais se uns buscam a profundidade, outros baixam em apoio.
O que isto provocou foi um impasse ofensivo, sem situações de baliza de parte a parte. Aliás, a primeira ocasião de perigo até pertenceu aos visitantes, aos 13’, quando Koffi se isolou nas costas de Bah, aproveitando o facto de a linha defensiva encarnada estar muito subida, e cruzou da linha de fundo na direção de Kayky, valendo aos donos da casa o corte de Grimaldo. O Benfica pressionava a saída de bola do FC Paços de Ferreira com referências individuais, mas não era eficaz: insistindo na saída curta, os castores quase sempre iam sendo capazes de atrair o bloco encarnado a um lado do campo para depois saírem pelo outro, ganhando assim o tempo para reciclarem a bola através dos seus médios e procurarem as costas dos laterais da casa. Estes, ainda assim, iam sendo um dos fatores de desequilíbrio ofensivo na equipa de Schmdit: foi numa jogada de Grimaldo que Benfica criou o primeiro momento de frisson, uma conclusão de Gonçalo Ramos, ao lado, aos 15’. Depois disso, só com o avançar do tempo e a natural perda de concentração nas movimentações defensivas dos visitantes é que os donos da casa foram criando perigo, quase sempre com a intervenção de Rafa, o único acelerador capaz de desestabilizar o jogo.
Rafa meteu uma mudança de velocidade e chutou com perigo ao lado, aos 36’. E um minuto depois, após uma bela combinação em que tabelou primeiro com João Mário e depois com Neres, acertou num adversário quando estava em boa posição. Este despertar do Benfica, no entanto, acabou por levar ao golo do Paços. Foi aos 39’: Thomas bateu um canto da esquerda, a defesa do Benfica afastou, Antunes deu-lhe com alma em vólei de ressaca e, não fosse a bola sair ao lado, Koffi desviou no interior da área para dentro da baliza de Vlachodimos, que não teve tempo de reagir. Valeu ao Benfica uma reação imediata. Aos 42’, assistido por Rafa, Neres ganhou espaço na direita e chutou cruzado, não muito forte, mas o suficiente para que a bola passasse debaixo da mão direita de Zé Oliveira, o guardião pacense, e entrasse nas redes. O golo afetou o Paços e empolgou o Benfica, que até ao intervalo criou mais situações de perigo do que em toda primeira parte. Neres decidiu mal em dois contra-ataques em superioridade numérica, aos 43’ e 44’, e João Mário atirou de fora ao poste, aos 45’. Até que, no último dos minutos de compensação dados pelo árbitro, o mesmo João Mário marcou, de penalti a punir carga de Zé Oliveira a Bah, o 2-1 que permitia aos donos da casa irem para o balneário com o conforto da vantagem.
Quem esperava um Benfica a carregar para resolver o jogo logo a abrir a segunda parte terá ficado dececionado, pois não foi isso que sucedeu. É verdade que Bah viu o 3-1 anulado por fora-de-jogo, aos 47’ – já Otamendi tinha tido um golo anulado pela mesma razão na primeira parte – e que, praticamente na situação de perigo seguinte, o 3-1 apareceu mesmo. Mais uma vez foi Rafa quem esteve na origem do lance. Acelerou pelo corredor central e aproveitou o posicionamento demasiado interior de Delgado para lançar João Mário na esquerda. Este foi capaz de temporizar a jogada à perfeição e colocou a bola à frente de Gonçalo Ramos para um golo que dava ao Benfica alguma tranquilidade. Não a tranquilidade total, porém. Ainda faltavam 34 minutos de jogo. Ramos perdeu o 4-1 aos 62’, quando foi isolado pelo inevitável Rafa mas permitiu a mancha de Zé Oliveira. E Schmidt começou a rodar, como sempre para dar repouso aos titulares e minutos aos suplentes. Musa, que substituiu Gonçalo Ramos, voltou a entrar bem, mesmo que tenha falhado o golo após jogada de Grimaldo, aos 74’. E Henrique Araújo, que entrou para o lugar de Rafa, protagonizou uma perdida ainda mais escandalosa, quando atirou por cima da barra um brinde do croata, aos 81’.
Nessa altura, já o Paços tinha reduzido. Sem mais opções no banco, César Peixoto ainda chamou Sales para o lugar de Kayky e, mais tarde, Ibrahim para a vaga de Bastos, mudando a equipa para 5x3x2. Sales juntou-se a Koffi na frente, Ibrahim formou com Holsgrove uma dupla de médios à frente de um só trinco, Rui Pires, e Thomas passou a ocupar-se de todo o corredor esquerdo. Esta superioridade a meio-campo acabou por se refletir num lance, aos 80’ em que Holsgrove se libertou e, sem pressão, viu bem a desmarcação de Delgado na direita. Este teve tempo para chegar à linha de fundo, de onde descobriu Koffi para uma conclusão fácil no interior da área. O jogo, de repente, ficava em aberto. E é normal que o Benfica se tenha deixado contagiar por algum nervosismo. Sá assim se explica que tenham sido os castores a criar a situação mais perigosa até final, aos 90+4’: Ibrahim cruzou bem da esquerda mas, colocado entre Morato e Grimaldo, Koffi não foi capaz de acertar no tempo de salto à bola, chegando ligeiramente atrasado a um encontro que podia ter dado o empate à sua equipa e transformado uma noite que já foi boa para ele, do ponto de vista individual, numa ocasião memorável.
Arbitragem – A atuação de Artur Soares Dias não foi fácil e teve muitos pomos de discórdia, acima de todos o penalti assinalado a favor do Benfica, a dar a vantagem aos encarnados antes do intervalo. Não é um lance de certezas absolutas, mas a ideia com que fico é a de que foi uma boa decisão, porque apesar de ter havido uma colisão natural entre dois jogadores em movimento contrário, Bah consegue cabecear a bola e, chegando uma fração de segundo mais tarde, Zé Oliveira soca a cabeça do lateral dinamarquês. Se podia ter marcado falta ao contrário? Podia. É por isso que a arbitragem nunca será uma ciência exata. De resto, certas as decisões de anular dois golos ao Benfica, ambos por fora de jogo: aos 31’ Rafa estava em posição irregular no início da jogada que terminou com golo de Otamendi e aos 47’ foi Bah a partir em off-side para o lance em que ele próprio acabou por marcar. Não vi nenhuma falta de Grimaldo sobre Koffi no lance em que este esteve à beira de empatar, aos 90+4’. Por fim, no ponto de vista disciplinar, Soares Dias deixou por mostrar um amarelo a Delgado, logo aos 6’, quando o lateral pacense alargou o movimento do braço esquerdo e atingiu Grimaldo na nuca – não me pareceu lance para vermelho, até na sequência do que tenho vindo a defender acerca de expulsões prematuras nos jogos.