A questão Edwards
Edwards fez a melhor exibição da época contra o Rio Ave porque o Sporting voltou a um perfil mais combinativo sem Gyökeres. Mas não há nada no futebol do sueco que possa inibir o rendimento do inglês.
A vitória frente ao Rio Ave, conseguida após meia-hora de alto nível, tanto com bola como sem ela, mostrou que a influência de Gyökeres não levou o Sporting a esquecer aquela que era a sua via principal de chegar à área nos tempos do chamado ataque móvel, uma fórmula que, esta época, mais do que alternativa, terá de ser complementar. A fronteira entre sucesso e insucesso para a equipa de Rúben Amorim poderá muito bem estar na capacidade para usar as duas maneiras num só jogo, para ativar a presença dos móveis Edwards e Pedro Gonçalves nas entrelinhas ao mesmo tempo que o possante sueco busca a profundidade junto às laterais ou serve de referência frontal pelo meio, permitindo um jogo mais direto. No plano teórico, nada o impede. O Sporting tem centrais fortes no passe, como Inácio e, em certa medida, até Diomande, e encontrou um par de médios hábil na verticalização e na ligação do jogo interior em Hjulmand e Morita. A forma como tanto um como o outro recebem já a procurar o passe frontal pede desmarcações de apoio, que tanto podem ser dadas pelo ponta-de-lança – eram, aliás, a maior justificação para a titularidade de Paulinho nas últimas temporadas, mesmo que a equipa não tivesse a mesma agilidade na circulação – como pelos avançados interiores. E a questão é que se isso funcionava quando não havia ninguém a pedir profundidade e, dessa forma, a esticar o bloco ao adversário, mais razões tem para funcionar se Gyökeres fizer aquilo que fazia o Slimani dos bons tempos, alargando o espaço entre as linhas defensivas. Só que, na prática, quando está Gyökeres, vê-se menos jogo combinativo, trocado pela via mais rápida de chegar à frente, seja por uma questão de preguiça – o sueco não se cansa, é deixá-lo correr – ou de praticidade – se funciona, porquê mudar? É verdade que a via mais direta tem sido eficaz, mas tanto essa como a de ontem, mais combinativa, por si só, poderá ser redutora e facilitar o encaixe dos opositores. Ainda ontem Rúben Amorim explicou que, com Gyökeres em campo, dificilmente o Rio Ave deixaria Aderlan em um-para-um com o ponta-de-lança, o que equivale a dizer que alguém ia ter mais espaço mais atrás. Sem ele mas com um ponta-de-lança mais associativo, como Paulinho, é fácil de ver que a concentração será maior dentro do bloco, o que pode facilitar movimentos de rotura como o que permitiu a Morita esticar e gerar o golo inaugural. É a junção das duas vias para que o adversário não entre no jogo a saber de antemão o que o espera que está a faltar a este Sporting, que encontra alguns pontos de contacto com o Benfica neste início de época. Ambos têm mostrado incapacidade para pôr fim aos jogos quando estão a ser muito melhores – ontem o Rio Ave esteve a seis centímetros de reabrir um desafio em cuja primeira parte foi atropelado, tal como no domingo o Portimonense esteve a um penalti de igualar mesmo um jogo de cuja discussão já podia estar fora. E ambos precisam de encontrar o melhor trio em quatro soluções para a frente. Sobre Di María, Rafa, João Mário e Neres no Benfica já escrevi ontem. No Sporting, enquanto Trincão não resolve a crise que o tem afetado, a equação resume-se a Gyökeres, Paulinho, Edwards e Pedro Gonçalves. Será a presença simultânea do sueco e do minhoto um inibidor às finalizações do transmontano e à afirmação do inglês? Em relação ao primeiro caso, não creio: Pedro Gonçalves tem rematado muito na mesma, só tem é estado mais infeliz no ato. Já quanto a Edwards, é mais difícil de perceber por que razão ele tarda a justificar o potencial que nele vê o treinador, a ponto de dizer que “o nível dele é de seleção inglesa”. Acima de tudo, a Edwards falta continuidade. E isso, primeiro, é como diz Amorim: “dá trabalho”. Depois, se há Paulinho e Gyökeres, Edwards só entra no onze se Pote for para o meio-campo, o que muda todas as dinâmicas coletivas. E se a influência do sueco é tão grande e Paulinho continua a marcar golos, fica difícil imaginar uma solução sem os dois, por mais que na teoria ela seja a que pode permitir ao Sporting um futebol mais diversificado.
A Liga das bananas. A substituição de Álvaro Pacheco por Vasco Seabra no Estoril fez soar os alarmes. Foi a terceira chicotada psicológica em apenas seis jornadas da Liga, o que parece ser uma regressão face a anos de maior estabilidade e uma traição à noção de que esse nunca é o melhor caminho. A Associação Nacional de Treinadores já criticou os dirigentes, da mesma forma que se houvesse uma Associação Nacional de Dirigentes ela viria explicar que foram os treinadores a falhar. Neste caso, porém, a generalização é inimiga da compreensão. Moreno saiu de Guimarães porque escolheu não aguentar a pressão, que iria aumentar depois da saída da Liga Conferência, e encontrou abrigo em Chaves, onde as cinco derrotas custaram o lugar a José Gomes e onde certamente sente que ninguém poderá exigir-lhe grande coisa, tão mau foi o arranque. O Estoril é um caso à parte, porque apesar da imagem de estabilidade que os donos americanos irradiam, até pela aposta na formação e numa sequência de belas equipas de sub23, quase todos os anos tem mudado treinador a meio do percurso: desde que a SAD mudou de donos, Bruno Pinheiro foi a única exceção a esta regra. As chicotadas podem dever-se a uma multiplicidade de fatores, desde um mau momento do treinador às contingências do jogo, passando pela inadequação das apostas feitas por alguns dirigentes, que continuam a escolher técnicos de um determinado perfil e depois a contratar jogadores para outro tipo de futebol. E a única generalização que pode fazer-se a este respeito é a que manda perguntar se estará Portugal a voltar a transformar-se numa Liga das Bananas, onde ao mínimo sinal se despedem os treinadores. É cedo. Ainda na época passada batemos um interessante recorde de estabilidade, com dez dos 18 técnicos da Liga a fazerem a época completa no mesmo clube, mas mesmo assim a terceira chicotada chegara à sétima jornada: Moreno ocupara a vaga de Pepa em Guimarães ainda na pré-época, Vasco Seabra foi substituído no Marítimo por João Henriques à quinta e a saída de Rui Pedro Silva abriu as portas ao regresso a Famalicão de João Pedro Sousa, à sétima. Até final, só mais cinco clubes mudaram de treinador. E um até voltou atrás com a decisão.
Da Amadora a Exeter. O Estrela da Amadora jogou no fim-de-semana com uma fita preta a tapar o nome do patrocinador, que ainda por cima é o acionista maioritário da SAD, e apesar das declarações apaziguadoras que chegam da Reboleira, negando uma rotura, isto parece prenunciar mais um caso bicudo numa equipa de topo do futebol nacional. Podia mesmo ser o capítulo dois da saga Belenenses-B SAD, não fosse este Estrela já o produto de uma fusão nada banal entre dois clubes, um com nome e outro com licença para competir nas divisões profissionais. Se isto azedar mesmo, voltarão a subir a terreiro os defensores da propriedade tradicional, alegando que todos os capitalistas que estão no negócio do futebol são maus, e aos que reconhecem que o futebol já é um negócio há muito e que sem capital não há maneira de sobreviver nele. Foi no meio deste caldo que deparei com uma reportagem de Ben Fisher no The Guardian acerca do Exeter City, caso único no panorama britânico, onde os clubes sempre tiveram donos desde a invenção do jogo. O clube do sudoeste inglês vai receber hoje o Luton Town, em jogo da Taça da Liga, enquanto celebra o 20º aniversário de uma mudança que o levou a desprezar a sua estrutura acionista e a adotar o modelo, chamemos-lhe assim, ibérico tradicional, com a entrega do poder aos adeptos. O Exeter City, na verdade, pertence a uma fundação que tem 3600 membros (ou sócios, se quisermos...), cada um a pagar um mínimo de 24 libras (27 euros) por ano. A mudança fez-se quando o Exeter caiu para fora das divisões nacionais e da Football League, em 2003, e foi com esta nova estrutura e muito trabalho comunitário que controlou a dívida e voltou a subir à League One, o terceiro escalão nacional. E é aqui que se pergunta: como é possível? A resposta é simples: é possível num futebol que seja viável. O investimento externo pode sempre ser importante para dar um empurrão inicial num projeto, mas nunca é capaz de o manter se o negócio em que ele entra não for viável. E é esse o maior problema do futebol português quando se fala de propriedade. Não são os donos, em si, que são aldrabões. São os clubes que, na maior parte das vezes, não são um negócio viável e, como tal, só atraem investimento de quem quer fazer mais-valias rápidas ou chega com intenções sub-reptícias.