A quebra do Benfica
O Benfica tem deixado escapar vantagens perto do final dos jogos e, nestes casos, a tentação é a de gritar: "é físico!" Até pode ser, mas aqui vejo mais soberba e gestão excessiva das vantagens.
Se os jogos tivessem apenas uma hora em vez da hora e meia regulamentar, o Benfica teria ganho seis e empatado quatro das últimas dez partidas. Como não é assim, ganhou quatro, empatou outras tantas e perdeu duas vezes. O exercício em si não serve de muito, porque a verdade é que toda a gente sabe que os jogos só acabam mesmo ao fim dos 90 minutos, mas permite pelo menos que se questione a quebra que a equipa de Jorge Jesus tem revelado na ponta final dos seus jogos e de que a vitória em Vizela, com o golo de Rafa, no último lance do período de compensação, foi uma exceção. No sábado, no Estoril, os encarnados voltaram a perder pontos com um golo cedido perto do fim, ao minuto 90, a valer o 1-1 final, cedendo o topo da Liga a FC Porto e Sporting. Foi o quê? Quebra física? Soberba? Tentação excessiva pela gestão? Provavelmente um pouco de cada coisa, mas creio que mais as duas últimas do que a primeira.
Rosier permitiu ao Estoril fazer o mesmo que recentemente tinham feito nas Taças o Vitória SC – golo de Bruno Duarte aos 83’, a dar o 3-3 – ou o Trofense – Pachu aos 80’, a forçar um prolongamento. No final do jogo do Estoril, Jorge Jesus falou na desconcentração da equipa, que por altura do canto que valeu o empate andava ainda a protestar um lançamento lateral mal marcado dois lances antes, mas não deixou de se referir à questão da fadiga. “Quando ganhas, é mais fácil gerir o cansaço emocional. O resultado deixou a equipa não só fisicamente cansada, mas psicologicamente arrasada”, comentou o treinador das águias. O tema já tinha sido falado em Guimarães, depois de um jogo em que os encarnados deixaram o adversário regressar de um 0-2 e de um 1-3. “Na segunda parte tivemos algumas dificuldades. Os que não jogam tanto começaram a perder competitividade na organização defensiva”, disse na altura Jesus. E já no seguimento do 0-4 com o Bayern, com quatro golos sofridos nos últimos 20 minutos, se falara de derrocada emocional. “Os golos deixaram-nos psicologicamente mais fragilizados”, afirmou Jesus.
A verdade é que estamos a falar de coisas diferentes. A ver de fora e sem acesso a telemetria, só houve dois jogos em que fiquei com a sensação de que o Benfica estoirara. Um deles foi o da Luz com o Bayern: o desafio foi muito intenso e, a dada altura, quando parecia ser tempo de abrandar, quando a alma encarnada já pedia tréguas, os bávaros chamaram Gnabry e meteram uma mudança acima, tornando a velocidade de jogo insuportável para a equipa portuguesa. O outro foi o jogo de Guimarães, onde me pareceu que alguns jogadores – e não necessariamente os que têm jogado menos – estavam a reagir tarde aos estímulos, a sair uma fração de segundo atrasados para cada duelo, o que naturalmente lhes condicionava o sucesso. Na generalidade dos jogos, porém, aquilo que se viu foi uma mistura de alguma soberba com uma tentação pela gestão a que nem o treinador é alheio: acabar o jogo do Estoril, quando se está a ganhar por 1-0 no difícil terreno do quarto classificado, sem os três avançados titulares e sem o jogador mais seguro do meio-campo é tentar demasiado o destino, sugerindo-lhe falta de capacidade de criação na frente e possibilidade de perdas de bola ao meio.
Se o desabamento da equipa depois dos dois primeiros golos do Bayern na Luz pode até ter sido fruto da fadiga mental e esses dois tentos inaugurais terão sido um pouco o resultado da incapacidade de aguentar o ritmo de um adversário que é de outro campeonato, já a forma como o Benfica permitiu a anulação das vantagens que tinha na Trofa, em Guimarães ou no Estoril é outra loiça. Aí, terá havido muito subconsciente a mandar a equipa poupar energia em virtude de tudo o que já teve de jogar esta época – mais quatro jogos de elevada exigência e importância, que foram as pré-eliminatórias da Champions – e do que aí vem – a decisão da fase de grupos onde ainda mantém esperanças fundadas numa qualificação à partida inesperada. Prova disso é que, na Trofa, o Benfica acabou por aproveitar a benesse que foi o prolongamento para voltar à mó de cima e ganhar a eliminatória. Ou que, em Vizela, sem uma vantagem para gerir, tenha sido capaz de levar até ao fim, sem quebra física, um jogo em que foram os adversários a cair que nem tordos com cãibras.
Os jogadores de campo do Benfica mais utilizados esta época, Otamendi, Lucas Veríssimo e João Mário, estão todos acima dos 1300 minutos em campo – e se do terceiro disse Jesus no sábado que “estava esgotado”, os dois primeiros foram dos que me pareceram menos frescos em Guimarães, por exemplo. Por esta altura, o FC Porto só tem três jogadores de campo acima dos mil minutos – Díaz, Taremi e Otávio –, todos eles abaixo dos 1200. Mas o Sporting já tem três homens acima dos 1200 minutos de utilização – Palhinha, Matheus Nunes e Paulinho. A questão da sobrecarga pode ser importante, mas para já o que tem custado jogos e pontos ao Benfica têm sido sobretudo a soberba e a gestão de resultados.