A que é que joga este Sporting
O resultados levaram a uma alteração de prioridades, do racional financeiro para o desportivo. Mas, afinal, o que está primeiro para quem manda em Alvalade?
A subida ao topo da Liga, que ocupa isolado desde que ganhou ao CD Tondela e beneficiou da derrota do Benfica perante o Boavista, levou muitos sportinguistas a acordar para o que está à vista pelo menos desde que a competição recomeçou, após interrupção motivada pela pandemia: a equipa de Rúben Amorim não tem os mesmos argumentos dos seus maiores rivais, mas no contexto atual pode bater-se de forma consistente pelos primeiros lugares. E como os dias de hoje se jogam sempre no plano das emoções – as coisas ou são horríveis ou são maravilhosas… – logo surgiu a necessidade de expressar este novo estado de alma numa política e transpirou para o exterior que a equipa será reforçada caso chegue à passagem de ano em posição de lutar pelo título. O que é extraordinário, porque até há um mês a grande prioridade dos leões em termos de política desportiva era verem-se livres de jogadores que até lhes podiam dar muito jeito, como é caso evidente de Palhinha, de forma a diminuir a folha salarial e promover os miúdos, para vir a fazer mais-valias no mercado de transferências. Sei que os clubes em Portugal têm de jogar sempre com estas limitações orçamentais, mas não é possível jogar nesses dois tabuleiros. Um deles tem de ser o principal. E o do Sporting tem de estar no rendimento desportivo.
Não há dúvidas de que a equipa atual do Sporting é melhor do que a que Rúben Amorim teve ao seu dispor na ponta final da época de 2019/20, pois apesar de algumas saídas de peso – Mathieu, Acuña e Wendel acima de todos, mas também Vietto ou Battaglia poderiam contar – as entradas compensaram. Mesmo com lacunas defensivas, que só o recomendam para o 3x4x3, Porro é o melhor lateral direito que o clube tem desde Piccini. João Mário e Palhinha podem ser a mais completa dupla de médios em Alvalade desde a formada por William e Adrien. Nuno Mendes já convenceu toda a gente na ala esquerda, Adán não fica atrás de Maximiano e Pedro Gonçalves já marcou em seis jogos dois terços dos golos que Vietto tinha feito em 40, antes de sair para o Al Hilal. Só a substituição de Mathieu por Feddal não foi feita com ganho, mas ainda sobram as entradas de Nuno Santos e Tabata e a possibilidade de afirmação de miúdos como Tiago Tomás, Daniel Bragança, Matheus Nunes, Eduardo Quaresma ou Gonçalo Inácio. E o que se percebe fazendo contas é que, mesmo limitada, a equipa da época passada já teria tido uma palavra a dizer: nas onze jornadas em que foi liderado por Rúben Amorim em 2019/20, o Sporting só perdeu com Benfica e FC Porto e totalizou 21 pontos, sendo batido apenas pelos dragões, que somaram 23 a caminho do título. Nesse mesmo período, o Benfica, por exemplo, fez 19. O SC Braga ficou-se pelos 17, tantos quantos FC Paços de Ferreira e Portimonense e menos um que Rio Ave e FC Famalicão.
Ora tudo o que está escrito até aqui vem aprovar a ação dos responsáveis leoninos neste defeso – porque se aos pontos da reta final de 2019/20 somarmos os contados nas seis rondas já disputadas de 2020/21, chegando à barreira de meio campeonato, o Sporting seria líder, com 37 pontos em 17 jornadas, mais três que o Benfica, mais quatro que o FC Porto e mais oito que o SC Braga. Já o disse numa edição anterior do Futebol de Verdade: há uma série de fatores a contribuírem para o bom momento do Sporting e para a consistência de uma hipótese de os leões virem a discutir as primeiras posições da Liga, desde as apostas certas no mercado à ausência das provas europeias, o que dá ao treinador mais tempo de trabalho na preparação de cada jogo, e à falta de público nas bancadas, que permite crescimento sem tanta pressão a uma equipa muito jovem num modelo de jogo particularmente exigente. Não deixando de ser para mim claro que as armas ao dispor do Sporting ainda são inferiores às de que têm Benfica e FC Porto, sempre disse que os leões são um outsider a ter em conta na luta pelo título.
O que lhes falta? Eu diria que três coisas. Sim, falta mais qualidade nalgumas posições-chave – até mais atrás do que à frente, na minha perspetiva. Falta, depois, um misto de crença com descaramento, que permita aos miúdos ganhar nos jogos de maior pressão – as derrotas de Rúben Amorim foram com Benfica e FC Porto, sendo que entretanto empatou com os dragões a que, na época passada, a equipa também não respondeu em casa contra o Vitória FC, no desafio em que podia sentenciar o terceiro lugar e o apuramento direto para a Liga Europa. Neste plano, as notícias segundo as quais se houver capacidade de lutar pelo título virão mais jogadores não são uma ajuda, pois podem conduzir à diminuição do comprometimento de quem é solução agora ou até da crença nas suas próprias capacidades. E, por fim, falta uma política desportiva coerente, que nem passa por se dizer se a equipa está a lutar para o título ou apenas para ganhar o próximo jogo – o travão à euforia pode ser importante para manter os miúdos focados –, mas que também não pode navegar ao sabor do vento e dos resultados.
As equipas devem ser sempre reforçadas dentro das possibilidades, se o seu objetivo é ganhar jogos. E devem evitar trazer muitos reforços, sobretudo se são de qualidade duvidosa, quando têm miúdos promissores para as posições deles e o objetivo é fazer mais-valias no mercado de transferências. Mas dificilmente podem ser as duas coisas. Ou ser uma esta semana e outra na semana que vem, se entretanto ganharam ou perderam uma série de jogos. O facto de esta possível inversão de agulha leonina no mercado de Janeiro ser notícia, somado à forma como até aqui foi tratada a gestão do plantel, deixa a ideia de que a política orientadora começou por ser a diminuição da folha de pagamentos e a promoção dos jogadores que o clube pode vir a vender. Só assim se entendem as saídas do sempre comprometido Acuña – e felizmente havia Nuno Mendes – ou de Vietto, que não sendo aquilo que muitos chegaram a ver nele, dava a tal profundidade de opções que agora parece faltar. Pior ainda: só assim se percebe a tentativa de despachar João Palhinha, quando era evidente que já estava ali o melhor médio-defensivo da última Liga e que, pelo dinheiro que ele podia valer, o Sporting não iria encontrar ninguém de um nível sequer aproximado. A ideia por trás da tentativa de venda de Palhinha só podia ser uma – a de encontrar espaço na equipa para poder promover Matheus Nunes. Só que há um ponto em que as duas estradas se separam. E os responsáveis do Sporting têm de decidir que caminho levam.