A prova de vida do campeão projetado
Os suíços do Observatório do Futebol projetaram que o Sporting será campeão e, na verdade, é irrelevante que alguém no clube assuma esse objetivo. Importante é a equipa ir dando provas de vida.
Muitas coisas podem acontecer a uma equipa durante uma época e essa aleatoriedade não é representável como mais do que uma anomalia em modelos estatísticos como o usado pelo Observatório do Futebol, um grupo de estudos suíço que ontem previu os vencedores das diversas Ligas europeias e que no lote de futuros campeões incluiu o Sporting. É irrelevante que o treinador, um jogador, o presidente ou o diretor desportivo digam que o Sporting é ou não candidato ao título. Os jornalistas fazem a pergunta porque querem o “soundbyte” e vivem na ilusão de que, embrulhadas nele, as edições do dia seguinte venderão como nunca. Os responsáveis não cedem porque sabem que as coisas podem dar para o torto e ninguém gosta de ver uma afirmação precipitada estragar-lhe o CV. Mas as coisas são o que são e, ao vencer um excelente FC Paços de Ferreira pela terceira vez esta época, o Sporting voltou a dar prova de vida. Mais uma.
Após a vitória de ontem, Rúben Amorim respondeu à pergunta habitual acerca da candidatura dos leões ao título com a situação vivida pelo Liverpool FC, para dizer que o Sporting não tem a qualidade amontoada dos ex-campeões europeus e que até eles estão em acentuada crise de resultados, mas a questão é que a base de projeção de uns não se aplica aos outros – e o Liverpool FC está em quebra há cerca de um ano, razão pela qual a hecatombe pontual de Janeiro e Fevereiro nem terá sido assim tão relevante na previsão de atribuição do título da Premier League ao Manchester City. Lá como cá, a pergunta é feita: depois de perder com o Manchester City, Jürgen Klopp foi confrontado com a distância pontual a que tinha ficado da equipa de Pep Guardiola – eram 10, mas são agora 13 pontos, com um jogo a mais, porque depois disso os campeões já baquearam em Leicester também. Saltou-lhe a tampa. O alemão, conhecido pela bonomia e pelo sorriso a mostrar a dentadura que terá custado quase tanto como alguns plantéis da Liga portuguesa, achou a pergunta estúpida e não foi capaz de dizer nem que a renovação do título é impossível nem de abdicar publicamente desse objetivo – a primeira hipótese condená-lo-ia perante os adeptos mais “linha dura”, a segunda deixá-lo-ia refém de um objetivo praticamente inalcançável.
O Sporting, como disse aqui, passou em Janeiro a ser não apenas candidato mas favorito à conquista do título em Portugal. Neste momento, a equipa de Rúben Amorim pode dar-se ao luxo de perder três dos 15 jogos que lhe faltam e, mesmo que o FC Porto ganhe nas 15 jornadas, continuaria a ser campeã. O Observatório do Futebol até aponta para uma segunda volta bastante menos conseguida do que a primeira por parte dos leões, projeta que eles façam apenas 31 pontos (por exemplo, dez vitórias, um empate e quatro derrotas) até final da época, mas mesmo assim prevê que acabem a Liga com nove de avanço sobre o FC Porto, que seria segundo. É evidentemente cedo para se encomendarem as faixas em Alvalade, pode haver uma quebra, não só porque, com a Covid19, esta época se torna mais imprevisível do que qualquer outra, mas também porque falta ao jovem plantel leonino superar mais um teste – faltará sempre mais um, até ao momento em que a conquista seja matematicamente segura.
Na época passada, mesmo depois da entrada de Rúben Amorim, a jovem equipa do Sporting chumbou duas vezes. Fracassou nos testes da regularidade e do auto-convencimento quando permitiu que os maus resultados do SC Braga instalassem no grupo a ideia de que já tinha garantido o terceiro lugar e o apuramento direto para a Liga Europa – e falhou, somando apenas um ponto nos últimos três jogos. Nessa altura, além de empatar em casa com o Vitória FC, perdeu com o FC Porto e o Benfica, fracassando também no teste do confronto direto com os outros grandes. Esta época já terá passado por esses dois testes – embora o primeiro seja um desafio para manter até ao fim – mas falta-lhe um terceiro: o da reação à primeira derrota. Ninguém sabe como é que uma equipa tão jovem – ou, mais concretamente, esta equipa tão jovem – reagirá à eventualidade de uma primeira derrota. Se passa a duvidar de si mesma, se treme com a aproximação dos rivais – porque uma coisa é ir em dinâmica de vitória com três ou quatro pontos de avanço e outra, bem diferente, é ver a vantagem reduzir para esses três ou quatro pontos. É este o teste que falta ao Sporting de Rúben Amorim. E, ao mesmo tempo, é esta a defesa para os responsáveis continuarem a manter o silêncio acerca dos objetivos do grupo.