A novela Cavani e o ricochete
Se o Benfica colocou Cavani no topo da agenda para recolher os louros em caso de sucesso, tem de estar preparado para aguentar o ricochete em caso de fracasso.
Os jornais começam a recuar no que toca à contratação de Cavani pelo Benfica, seja falando de outras propostas pelo avançado, seja acentuando as divergências nascidas dos olhares de vários fiscalistas para o modelo encontrado pelo clube português para pagar em seis anos as três épocas de contrato que propôs ao avançado uruguaio, mas há uma coisa da qual não tenho dúvidas: elas até poderão vir a ser debeladas no campo, mas esta é uma novela que vai deixar sequelas em Vieira, em Jesus e no plantel do Benfica. E tudo por causa de uma gestão inábil da comunicação, que permitiu – é mesmo isso: permitiu – que o tema estivesse no topo da agenda de forma permanente durante tanto tempo e que agora pode ter de enfrentar o efeito ricochete do golpe.
Alguns de vós já encontraram neste primeiro parágrafo a prova que tanto procuram de que os clubes – e sobretudo o Benfica – mandam nos jornalistas. Permitiu? O que é isso? Outros já estão a vociferar, achando ter encontrado a prova do contrário: de que os jornalistas estão sempre a tentar tramar o Benfica. Pois se nunca o clube assumiu abertamente que Cavani era um objetivo primordial, se ele não chegar não há falhanço nenhum a não ser o dos jornais e dos programas de TV que noticiaram a sua vinda. Mas não se precipitem. Quando eu digo que o Benfica “permitiu” que o tema fosse topo de agenda durante tanto tempo não estou a falar de cartilhas. Mas trabalhei durante anos suficientes nas redações para saber que se os jornais tanto insistem num nome é porque do lado do clube – e sim, uma das tarefas do jornalista é falar com os dirigentes dos clubes e confrontá-los com as coisas que vai ouvindo de outros lados – terá vindo sempre pelo menos um “off the record” encorajador. Ninguém insiste desta maneira se do lado dos clubes só tiver respostas negativas. Além de que Jorge Jesus assumiu com clareza o interesse no avançado uruguaio.
“Claro que quero o Cavani”, disse Jesus em entrevista à BTV a 8 de Agosto, numa altura em que os contactos com os representantes do jogador já tinham duas semanas. E foi mais longe: “Vai ser preciso uma grande engenharia financeira, mas o presidente é muito forte nisso”, afirmou ainda. A ideia de Jesus, nesta fase de re-enamoramento, seria a de dar a mão a quem lha deu a ele: a Luís Filipe Vieira, o único presidente que recebe em casa, cujas capacidades negociais estava a elogiar, no sentido de lhe atribuir os louros no sucesso negocial que se antevia. Já antes, aliás, tinham saído notícias – cujas fontes também não seriam inocentes, de um lado ou do outro, porque foram negadas em comunicado pelas SAD dos encarnados – de que Vieira estaria a negociar pessoalmente este tema. Ora, sendo que vêm aí eleições, não é preciso abusar da perspicácia para perceber que a ideia era a de transformar a contratação em trunfo eleitoral. Porque este é um jogador de top Mundial, porque com ele a equipa ia voar e ainda, conforme o próprio Jesus dizia, porque só a elevada capacidade do presidente teria permitido que as negociações chegassem a bom porto. O problema aqui é o ricochete. Assumir isso implica também assumir o contrário em caso de fracasso: que sem Cavani a equipa renderá muito menos e que, se ele não vier, este será necessariamente um fracasso do presidente.
Apesar dos 33 anos do jogador, tenho tanta certeza de que, a vir, Cavani será um significativo upgrade na capacidade da equipa do Benfica como tenho dúvidas de que ele justifique no campo o investimento de 60 milhões de euros, mesmo que o gasto seja dividido por seis anos e não pelos três de contrato. E aí, como em tudo, será o campo a dar as respostas. Se Cavani vier e carregar o Benfica ao colo até ao título de campeão e a uma boa Liga dos Campeões, Vieira e Jesus serão génios. Se não vier – ou mesmo se vier mas não tiver a influência que se espera na equipa – e o Benfica não for campeão ou não chegar sequer à fase de grupos da Champions, o presidente e o treinador serão loucos. Sendo que a data da avaliação a Vieira é muito anterior àquela em que Jesus será submetido à apreciação dos sócios: é já daqui a um par de meses que o presidente vai enfrentar Noronha Lopes e Gomes da Silva em busca de mais um mandato. E seria perigoso deixar o ato eleitoral depender tanto de um jogador ou de um par de jogos, como vai ser o caso das eliminatórias de acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões.
Como acho que Vieira e os seus estrategas – de comunicação e de campanha – também terão entendido isto, muito antes de mim, até, a minha convicção é a de que Cavani vem mesmo. Qualquer outro desfecho equivaleria a transformar a novela-Cavani numa irresponsabilidade ainda maior do que torrar 60 milhões de euros num jogador.