A mudança para a vitória
Portugal ganhou o jogo com a Hungria quando abdicou do 4x2x3x1 e, com as entradas de Renato Sanches e André Silva, meteu mais gente dentro do bloco adversário. Parecia tarde demais.
Portugal ganhou à Hungria, mas não ganhou para o susto. A sete minutos do final do jogo de estreia dos campeões neste Europeu, o resultado estava ainda em branco, castigando uma posse de bola massiva mas quase sempre estéril e feita por fora do bloco baixo de um grupo de húngaros concentrados frente à baliza de Gulacsi. Foram a entrada de Renato Sanches e a inversão assumida do triângulo de meio-campo, colocando dois homens a jogar por dentro daquele bloco em vez de lá ter apenas o solitário Bruno Fernandes, a resolver esta charada, conduzindo à marcação dos três golos que deixam a seleção entre as que protagonizaram estreia mais confortável em termos de resultado.
O 3-0 saiu do banco, das alterações feitas pelo treinador à entrada dos últimos dez minutos, mas têm razão aqueles que no final exasperavam com a demora nas mudanças. A verdade é que Fernando Santos continuou a confiar no Plano A durante demasiado tempo, dessa forma abrindo caminho à eterna dialética entre os que se queixam de que não era preciso sofrer tanto e os que lembram que ninguém ganhou por mais do que Portugal na primeira jornada. E se é verdade aquilo que o selecionador disse no final – que a seleção nacional criou, ainda assim, ocasiões para ter feito um primeiro golo antes disso – também não deixa de ser exato que a paciência de chinês que revelou até ali resvala um pouco para o excesso de confiança que podia ter custado caro.
Portugal surgiu no 4x2x3x1 que se previa, com Danilo e William a alternarem entre o médio que dava início à construção e aquele que se aventurava uns metros mais à frente. Sem bola, a equipa nacional foi sempre exemplar, reduzindo a escombros qualquer tentativa de saída dos húngaros e recuperando frequentemente a posse bem à frente, ainda no meio-campo de ataque. Mas, lá está aquilo que tentei explicar ontem no Futebol de Verdade: o jogo é uno, a forma como se defende condiciona o modo como se ataca e vice-versa. Se não conseguiam sair para atacar, os húngaros ficavam ainda mais acantonados à frente do seu guarda-redes e isso conduziu as duas equipas a um jogo praticamente de sentido único, o da baliza de Gulacsi, mas sem espaço para os portugueses ligarem os lances por dentro de um bloco adversário que não chegava a desfazer-se para desequilibrar nos breves momentos em que tinha a bola consigo.
Até ao intervalo, viu-se uma evidente superioridade portuguesa, não só em termos de posse e iniciativa, mas também no plano territorial. Mas a posse era muitas vezes circular, feita por trás, por fora do bloco húngaro. Na Sport TV, o ex-internacional Simão Sabrosa reclamava (bem) que era preciso pisar terrenos dentro daquele bloco húngaro, mas para isso teria sido preciso adiantar mais um dos médios do duplo-pivot de meio-campo, fazê-lo aparecer lá nem que fosse como manobra de diversão para a bola entrar em Bruno Fernandes, dessa forma mais livre para assumir missões de playmaker. E isso quase nunca sucedia. Ao invés, eram os jogadores que tinham a responsabilidade de jogar por dentro que iam à procura do jogo por fora, como sucedeu frequentemente com Cristiano Ronaldo, que aproveitava cada deambulação de Jota para espaços interiores para ir à procura de bola junto à linha, em vez de ficar lá para combinar com ele.
É verdade que, em condições normais, Portugal podia muito bem ter feito golo nesse período. Teve várias situações de perigo, com destaque para três. Aos 5’, Diogo Jota optou (mal) pelo remate, quando tinha Ronaldo em muito melhor posição, vendo Gulacsi deter a finalização. Aos 43’, após cruzamento de Bruno Fernandes, foi o próprio Ronaldo quem surgiu na cara do guarda-redes húngaro, para chutar sobre a barra. E aos 68’, Bruno Fernandes obrigou Gulacsi a grande defesa, numa rara situação em que beneficiou de espaço para rematar da entrada da área. Aos 70’, demasiado tarde, Fernando Santos mexeu pela primeira vez, chamando ao jogo Rafa, na que parecia até ser uma manobra contraproducente. Então os húngaros estão lá plantados frente à baliza e o que lançamos para os contrariar é velocidade? De que serve acelerar com mais velocidade contra um muro? No fim, com alguns ressaltos e carambolas à mistura, Rafa esteve ligado aos três golos de Portugal, mas estou convencido de que a alteração que virou o jogo foi a troca de William por Renato Sanches, aos 81’, em simultâneo com a saída de Jota e a entrada de André Silva.
Nada contra os jogadores que saíram, nada a favor dos que entraram, tudo a ver com o novo posicionamento da equipa nacional. Nesse momento, Bruno Fernandes dirigiu-se ao banco – os comentadores televisivos acharam até que era ele que ia sair – para perguntar a Fernando Santos como ia ser. E, a partir daí, Portugal trocou aquele 4x2x3x1 em que a Hungria já estava confortavelmente encaixada, por um 4x3x3 assimétrico, com quatro homens dentro do bloco. Inverteu o triângulo de meio-campo, com Danilo atrás, Bruno Fernandes pela meia-direita e Renato pela meia-esquerda, e lançou André Silva para o meio do ataque, convidando Ronaldo a aparecer também por lá, a partir da esquerda. Adam Nagy, o coordenador defensivo do meio-campo húngaro, deixou de poder acorrer a todos os fogos e os golos apareceram. Três em oito minutos. Suficientes para somar três pontos e encarar os jogos com a Alemanha e a França com outro espírito. E para alimentar a tal dialética entre adeptos e comentadores sempre cheios de razão acerca das “decisões idiotas” tomadas por quem tem de decidir.