A moral e a exigência do FC Porto
A vitória contra a Juventus pode ser uma injeção de moral ou uma carga de trabalhos para o FC Porto. Depende sempre de como se olhar para o Mundo.
O FC Porto ganhou com justiça à Juventus (2-1) e no final as justificações foram diversas, em muitos casos contraditórias. Para Pepe, a explicação esteve no facto de a equipa ter tido pela primeira vez nos últimos tempos um quarto dia para preparar o jogo – e isso realmente viu-se na forma como entrou em campo com a lição bem estudada e não só anulou a criação do adversário como fez dois golos em lances onde a dimensão estratégica foi grande. Para Andrea Pirlo, o treinador italiano, tudo teve a ver com “o golo estranho” que sofreu logo de entrada, a colocar em causa a ideia que trazia para o relvado, como se ali não houvesse mérito da preparação do momento pelos portistas mas só desconcentração da dupla que deixou a bola à disposição de Taremi. Sérgio Conceição preferiu valorizar o facto de os seus jogadores habitualmente não se apresentarem no campeonato com “esta mentalidade”. Uma das facetas mais apaixonantes do futebol é que ele é tão complexo que nos prende em dualidades sempre discutíveis. Como aquela que o FC Porto vai ter de enfrentar – pelo menos – nas próximas três semanas.
Olhemos para o que significou o jogo de ontem e para as respostas que dali se retiram. Primeira: que foi uma injeção de moral para o FC Porto. Bater-se assim e vencer “uma das equipas mais caras do Mundo”, como a caraterizou Conceição, fará indiscutivelmente os jogadores acreditarem que podem dar a volta à situação que vivem no campeonato, onde seguem a dez pontos de um Sporting que nem à Liga Europa conseguiu aceder. Mas isso é se nos detivermos na questão mental – e aparentemente, para o treinador, o problema nos jogos de consumo interno não tem estado na falta de crença mas sim no excesso de confiança. “O trabalho que é difícil é manter esta gente sempre no ‘red line’”, disse. Segunda resposta: que o FC Porto terá – pelo menos – mais três semanas com excesso de jogos, atenção dividida e pouco tempo para descansar entre partidas e para as preparar com a cabeça no lugar. Se tivesse perdido ontem, o campeão nacional já não encararia tão a sério a perspetiva de poder vir a qualificar-se para os quartos-de-final – mais uma chatice em termos de calendário – além de que já nem o jogo da segunda mão pesaria tanto em termos de percentagem de empenho e preocupação nas três semanas que aí vêm. Mas, lá está, isso é se nos detivermos na questão física. Porque, nesse caso, estaria moralmente afetado.
O que se passa é que não há uma realidade perfeita nem uma das questões é isolável da outra. Não é possível ter uma equipa cheia de moral sem a por à prova contra os melhores. Não é possível ter uma equipa repousada a jogar em todas as frentes. Não é possível ter uma equipa rica sem estar nas competições que mais dela exigem. O segredo do sucesso está na capacidade de gestão dos diferentes momentos – algo em que Sérgio Conceição foi ontem indiscutivelmente mais forte do que Andrea Pirlo, o que levou, por exemplo, a Gazzetta dello Sport a escrever, na edição de hoje, que se vem bem que “aprendeu em Itália”. Como se o treinador da Juventus tivesse aprendido aquilo que sabe nos Estados Unidos, onde acabou a carreira de jogador… Mas algo em que tem sido mais fraco do que muitos dos adversários que – ainda que em condições muito diferentes – tem enfrentado no campeonato. Daí que, ao ser confrontado com o seu destino no final da época, o treinador do FC Porto tenha deixado escapar ontem que “ao Sérgio do campeonato, se calhar nem as equipas de meio da tabela o querem”.
Para já, no Dragão, hoje, junta-se o Mundo perfeito. A equipa vai ter cinco dias para preparar a deslocação ao Funchal, onde defronta um Marítimo que tanto pode estar espicaçado como afetado pelas seis derrotas consecutivas com que entra em campo – lá está a tal dualidade que pode dar para o lado que quisermos. Além disso, nesses cinco dias, terá a moral em alta – e esperará Sérgio Conceição que não demasiado em alta, para se manter no limite da exigência. Depois, serão mais cinco dias para preparar o clássico com o Sporting, jogo do qual dependerá o futuro da equipa na frente interna. A seguir serão quatro dias até à segunda mão da meia-final da Taça de Portugal, contra o SC Braga. E, embora a visita ao Gil Vicente ainda não esteja oficialmente marcada, ela terá necessariamente de se jogar três dias depois, porque ao sexto dia há novo e decisivo confronto com a Juventus. Dependendo de como correrem as coisas até lá, das duas, uma: ou, dali para a frente, o FC Porto continua a jogar por títulos em Portugal e no estrangeiro e o calendário continuará a ser um problema que a moral em altas pode atenuar; ou continua só numa das frentes (ou até mesmo em nenhuma, se lhe correr tudo muito mal) e a falta de exigência será um problema que o tempo para preparar os jogos pode mitigar.
O futebol não tem problemas irresolúveis, soluções milagrosas ou situações comparáveis. É por isso que a Juventus segue praticamente desenganada na Série A, liderada pelo Inter, que até ficou em último no seu grupo da Champions. Ou que o FC Porto ganha aos ricaços vindos de Itália com Ronaldo à frente do grupo, mas não passa pelo Boavista, que segue abaixo da linha de água na Liga portuguesa. E para isto não há boas explicações. Só ideias.