A malvada intensidade
Mesmo sem golos, o SC Braga-FC Porto foi um jogo muito intenso e agradável. E uma lição para os fanáticos da intensidade. Porque há mais no futebol do que aquilo a que outrora se chamava "atitude"
Quando acabou o jogo entre o SC Braga e o FC Porto, com um empate a zero que parece ter deixado ambas as equipas demasiado distantes do Benfica para acalentarem esperanças reais de chegarem ao título, a realização televisiva mostrou-nos vários jogadores de rastos. Havia gente das duas cores por terra, não numa imagem de concessão, mas de esgotamento total, bem visível no inflar e desinflar acelerado dos peitos, à medida que a respiração normalizava e as emoções certamente se debatiam num turbilhão. O jogo acabara com um lance de baliza a baliza, um canto para o FC Porto seguido de um dos lançamentos longos em que Matheus se especializou e que, fruto da inteligência futebolística de Horta, até podia ter dado a Pizzi o golo da vitória, mas aquela necessidade de regulação interna sentida nos dois campos não vinha dali, daquele frémito final. Vinha, sim, de um desafio que foi sempre jogado em intensidade máxima. O SC Braga-FC Porto parecia um jogo à inglesa antiga, um jogo no qual o centímetro quadrado estava caro, tal era o empenho que cada um dos 22 em campo metia nas tarefas de circulação ou recuperação de cada bola. Se estivéssemos nos anos 90 do século passado, poderíamos ouvir os dois treinadores no final usar o chavão mais habitual da altura: “Mostrámos atitude!” Para quem gosta do género – e eu gosto –, o jogo foi excelente de ver, mesmo sem ter tido golos. Mas ensinou-nos uma lição, a todos os que somos fanáticos desta intensidade no futebol. É que a intensidade não serve de muito sem qualidade de definição. E, ponto prévio, a qualidade de definição também não aparece sem intensidade. Uma não é nada sem a outra. O jogo será alvo de análise detalhada aqui, no meu Substack, mais logo à tarde, porque foi o jogo da jornada, mas para já fica um pequeno avanço. Se perderam boa parte das hipóteses que tinham de alcançar o Benfica na Liga com este empate, SC Braga e FC Porto fizeram-no num final de tarde em que foram o mais iguais a si próprios que podiam ter sido. Sempre intensos, em ritmo elevado, mas pouco clarividentes e deficitários na definição.
Entender e contrariar. Os 5-1 com que o Benfica despachou no sábado o Vitória SC, é certo que amputado da sua estrutura central – Varela magoado, Bamba castigado, Dani desviado para trás e Safira para o banco – mostram bem como é diferente entender ou contrariar uma equipa de sucesso. Já toda a gente entendeu o Benfica de Schmidt, que aliás apresenta apenas uma ligeira alteração face ao PSV de Schmidt, e mesmo essa introduzida já com a época em curso, que é a mudança na primeira fase de construção, que passou de um 2+2 para o atual 3+1. Mas está muito difícil contrariar o Benfica de Schmidt, que ainda no sábado atropelou o quinto classificado do campeonato. O lance do terceiro golo, o segundo de João Mário, é um belíssimo exemplo do que podem fazer por uma equipa a consciência posicional polvilhada de rapidez de execução e de uma boa dose de agressividade, vinda às vezes de onde menos se espera. A bola chegou a João Mário, após passar por Neres, dois segundos depois de Chiquinho a ter recuperado no bico da área de Vlachodimos. O médio tinha 15 metros entre ele e Villanueva e correu-os em aceleração até Tiago Silva se lhe atravessar ao caminho, mas uma fração de segundo antes deu um passe progressivo para Rafa, que se disponibilizara para receber, arrastando com ele o defesa venezuelano, mas só para deixar a bola de primeira em Neres. Este, muito provavelmente o “Soneca” daquele balneário, teve de ganhar uma dividida a André Amaro, forçado a abandonar a contenção e a sair ao confronto, e quando o fez já tinha Gonçalo Ramos, a travar, para evitar o fora-de-jogo, meio aberto na esquerda. Meteu-lhe a bola e, assim que ela lá entrou, Villanueva viu-se outra vez metido em trabalhos: teve de ir fechar a direita para apertar o ponta-de-lança do Benfica. Assim que o central chegou, Ramos tocou a bola ao meio em... João Mário, que continuava em apoio e, apesar de uma receção mal conseguida, que o desviou do objetivo, teve depois a arte no pé esquerdo para desviar a bola do guardião Celton e acabar com o jogo. O lance foi, como tinha sido o terceiro golo ao Marítimo no Funchal, um compêndio de contra-ataque, quase uma jogada desbobinada por uma linha de três quartos bem oleada numa equipa de rugby. Em apenas 15 segundos, a bola foi do bico da área de Vlachodimos ao fundo das redes de Celton. Toda a gente viu como, toda a gente entendeu como. A capacidade para contrariar virá com o tempo e é isso que leva as equipas de sucesso a mudar. Enquanto isso não acontece, o Benfica vai na sua velocidade de cruzeiro a caminho de um título que parece cada vez mais certo. Faltam-lhe seis vitórias.
Não são milímetros. Os jornais de Madrid podem até querer vender a ilusão de que o título espanhol se resolverá por milímetros, os mesmos milímetros que serviram ao VAR para anular o golo de Asensio que podia ter dado a vitória ao Real na ponta final do clássico de ontem, pouco antes de Kessié ter feito o 2-1 para o FC Barcelona, dessa forma aumentando para 12 pontos a vantagem catalã no topo da tabela da Liga. Mas não são milímetros que separam as duas equipas, pelo menos numa prova de regularidade – nas competições internacionais, o Barça já foi posto fora da Champions pelo Inter e da Liga Europa pelo Manchester United e o Real, já se sabe, é sempre uma aposta a ter em conta na corrida à orelhuda. A diferença entre os dois na Liga Espanhola, porém, é tão grande como a desvantagem pontual e funda-se na variação ao que é o jogo culé tradicional, operada por Xavi Hernández a partir das caraterísticas dos mais jovens pupilos de La Masía, acima de todos o enorme Gavi. Pedri, que nos encanta com a sua habilidade para tocar e tocar incessantemente, nem forçou a utilização ontem, porque o Barça de 2023 é muito dele mas é muito igualmente da intensidade pressionante de Gavi a partir de zonas adiantadas, da frieza calculista de Araujo, líder a partir da lateral de um setor defensivo que não se deixa dobrar e da classe imperturbável de Busquets, que faz a meio-campo uma coisa dificílima, que é baixar o ritmo dos jogos aumentando a velocidade a que a bola circula. O Barça está hoje metido numa série de problemas complicados com origem nos escritórios e que vão da incapacidade para fazer contas de somar nos orçamentos à tendência para meter dinheiro onde ele não devia aparecer, que é na conta das empresas de dirigentes arbitrais, mas no campo está como não se via há muito, largos metros à frente do Real Madrid.
O Barça foi arrumado da Liga Europa pelo United, o Bayern foi na Champions juntamente com o Inter. Um grupo facílimo, portanto :)
Acho que o campeonato espanhol está entregue, apesar dos 12 jogos que ainda faltam (36 pontos). E vai ser sem espinhas. Tenho ideia de que falámos no início da temporada sobre um ligeiro favoritismo do Barça, coisa que parecia um completo nonsense para algumas pessoas, principalmente pelas finanças depauperadas e pelas últimas épocas desastrosas, mas o plantel foi muito bem construído, o Xavi tem muita qualidade e investiram uma batelada de dinheiro (sacaram algumas pechinchas como o Marcos Alonso, o Kessié ou o Christensen, mas despejaram mais de 150 milhões em 3 jogadores, incluíndo um dos melhores avançados dos últimos 15 anos). A juntar a isso, o grande rival aposta muito mais as fichas noutra competição.
A definição será uma questão de treino, de repertório táctico ou de característica dos jogadores?