A lição da época do FC Porto
Se a maior força do FC Porto era a profundidade do plantel e a debilidade os jogos de três em três dias, então a equipa devia ter rodado mais.
O silêncio de Sérgio Conceição antes e depois do clássico com o Benfica pode ser visto como uma reação às injustiças de que se crê alvo ou uma forma de tornar mais confortável o tabu acerca da renovação de contrato com o FC Porto, mas serviu para que todos ouvíssemos as palavras de Vítor Bruno a propósito dos objetivos ao alcance da equipa e do que ainda assim foi alcançado nesta época de 2020/21. O título de campeão não é impossível – mas está cada vez mais complicado –, o segundo lugar e a qualificação direta para a fase de grupos da Liga dos Campeões ficaram mais próximos com o empate de ontem, o trajeto europeu foi do melhor a que pode aspirar uma equipa vinda de fora das Big Five. E, tal como o jogo de ontem voltou a demonstrar, há lições a retirar dos últimos meses, como a necessidade real de uma rotatividade maior dentro da equipa se a ideia é voltar a suplantar a marca dos 50 jogos na época.
Quando diz que para quem está no FC Porto é igual ficar em segundo lugar ou em terceiro, Vítor Bruno está ao mesmo tempo a falar para dentro e para fora do grupo. Para dentro, de maneira a propagar uma cultura de exigência baseada no enfatizar da ideia segundo a qual o objetivo só pode ser a primeira posição e de modo a levar os jogadores a acreditar que ainda é possível lá chegar, quando o objetivo só pode ser atingido se o Sporting perder dois dos três jogos que lhe restam e não ganhar o outro. Para fora no sentido em que apazigua os adeptos mais frustrados com um ano que pode muito bem acabar com um único troféu nas vitrinas do museu – a Supertaça – e com apenas uma vitória em seis clássicos, obtida precisamente no jogo que lhe valeu essa conquista, contra o Benfica. Aliás, terá sido também nesse sentido que, ontem, após o jogo que pode muito bem ter valido a despedida do sonho de revalidar o título de campeão, o adjunto de Sérgio Conceição lembrou que a equipa fez um “trajeto brutal na Liga dos Campeões”, na qual ganhou a um finalista (ao Chelsea) e empatou com o outro (o Manchester City).
Ora qualquer balanço da época portista tem de ter esse aspeto em consideração. Quando digo que o FC Porto empatou com o City numa altura em que os ingleses já estavam apurados para a fase seguinte e que ganhou ao Chelsea com um golo no último minuto da segunda mão de uma eliminatória que os londrinos tinham controlada (porque traziam um confortável 2-0 na primeira mão) não o faço para menorizar a dimensão daquilo que a equipa de Conceição fez. Faço-o, precisamente, para dizer que no atual futebol europeu é impossível fazer mais. A maneira como é feita a distribuição de receita da globalidade do futebol na Europa – e aqui não falo apenas da Liga dos Campeões, mas sobretudo das diferenças gigantescas entre as Ligas nacionais – impossibilita que qualquer equipa vinda de fora das Big Five consiga ser bem sucedida ao mais alto nível internacional de forma consolidada. O que o FC Porto fez é, neste panorama, o máximo a que se pode aspirar. E o que o FC Porto fez acabou por lhe minar as hipóteses de ser mais bem sucedido no plano interno, porque é evidente que a equipa chega a Maio exaurida. Ainda ontem, contra um Benfica que pareceu sempre fraco e incapaz de criar embaraço aos portistas a não ser em contra-ataques, se viu aquilo que já se observara em alguns dos últimos jogos: os dragões foram quase sempre dominantes mas só se tornaram perigosos quando entrou sangue novo.
Até hoje sempre desprezei as teorias segundo as quais o eventual sucesso do Sporting nesta Liga se deve ao facto de os leões não terem tido o desgaste europeu a atrapalhá-los. Sim, o tempo para treinar em Outubro e Novembro foi fundamental para Rúben Amorim conseguir operacionalizar processos, mas os milhões que FC Porto e Benfica têm ido buscar de forma recorrente à Liga dos Campeões – onde o Sporting já não entra desde 2017 – também lhes serviram para reforçar os cofres e atacar esta época com recursos a que o líder não poderia chegar. Um campeonato é sempre fruto de mais do que uma circunstância e não só daquela que dá jeito para justificar alguns episódios. Ainda assim, é claro que há na equipa do FC Porto jogadores que podiam estar mais frescos. Onze dos membros do plantel de Sérgio Conceição fizeram já mais de 2500 minutos em campo, só pelo clube. O 12º jogador mais utilizado, que é Luís Díaz, ainda deve lá chegar antes do final da época, mas depois há um fosso de quase mil minutos de utilização para o 13º, que é Diogo Leite. Na época passada, o FC Porto teve 15 jogadores acima de 1500 minutos. Há três anos, no primeiro ano (e primeiro título nacional) de Conceição, foram 17.
Se a equipa do FC Porto chegar ao fim da época aquém dos objetivos que definiu será também porque não foi capaz de exercer a necessária coerência entre a realidade prática e aquilo que as suas forças recomendariam. Se a força do FC Porto era a capacidade para ter um plantel amplo e a maior debilidade a necessidade de jogar de três em três dias, aquilo que a realidade aconselhava era a que esse plantel fosse mais aproveitado. E a verdade é que se chega a Maio com gente como Grujic, Nanu, Toni Martínez, Fábio Vieira, Evanilson, João Mário, Baró ou Francisco Conceição – já para não falar de Sarr ou de Felipe Anderson, que acabaram por ser erros de casting – muito aquém daquilo que podiam ter dado ao grupo. E, tal como ontem a equipa só mostrou real capacidade de passar do domínio à real capacidade de ferir o opositor quando em campo entraram João Mário ou Toni Martínez, essa também tem sido a verdade dos últimos jogos. Feitas as contas, a este FC Porto faltou em confiança nas segundas linhas aquilo que sobrou em compromissos. E essa deve ser a lição da temporada caso Conceição venha mesmo a renovar em busca de mais troféus.