A frescura dos europeus
"Devia ter mudado a equipa", disse Jesus depois dos 0-3 no Bessa. Sim? Mas o problema não foi só de frescura. Nestes cinco últimos jogos, os nucleares do FC Porto foram mais usados que os do Benfica.
Jorge Jesus viu bem quando explicou a derrota do Benfica frente ao Boavista com fatores como a elevada percentagem de “passes errados” ou a pouca “velocidade de reorganização”, que terá levado os encarnados a serem piores na cobertura dos espaços à frente da defesa, permitindo combinações muito interessantes a um Boavista que, com bola, sempre soube o que fazer-lhe – o problema da equipa de Vasco Seabra sempre foi outro e esteve na falta de qualidade atrás. Mas Jesus foi mesmo mais longe, permitindo que se lhe visse um raríssimo momento de arrependimento: “Devia ter mexido mais na equipa. Metade da equipa tinha de mudar. Pela minha experiência, tinha de o fazer”, disse o treinador após o 0-3 do Bessa. Mas terá sido mesmo assim? Sim, talvez. Mas não pelas razões que se supõe.
O atual cenário das competições europeias, com jogos todas as semanas para se recuperar do atraso no calendário provocado pela pandemia de Covid-19, tem colocado uma enorme pressão sobre as equipas que nelas estão a competir. O Benfica fez ontem o quinto jogo em 16 dias e fará na próxima quinta-feira, frente ao Rangers, o sexto em 19 dias, fechando depois o ciclo no domingo frente ao SC Braga. O FC Porto, por sua vez, disputou na sexta-feira em Paços de Ferreira o quinto desafio em 14 dias e realizará hoje o sexto em 18 dias, preparando-se para encerrar esta fase que antecede a interrupção dos campeonatos para os jogadores irem às seleções com a receção ao Portimonense, no domingo. A ideia que se gerou foi a de que Sérgio Conceição está a mudar muito a equipa e que Jorge Jesus tem espremido os seus titulares até ao tutano. Mas basta olhar para os números com um pouco mais de atenção para se perceber que não é assim. Ao todo, nestes cinco jogos – duas vitórias, um empate e duas derrotas – o FC Porto usou 22 jogadores, 18 dos quais foram titulares pelo menos uma vez. No mesmo total de jogos – quatro vitórias e uma derrota – o Benfica utilizou os mesmos 22 jogadores, dos quais 20 foram titulares pelo menos uma vez.
Coincidência, talvez até provocada pelas lesões de André Almeida, que foi titular na primeira partida, e Grimaldo? Talvez. Mas aprofundemos. Neste período, o FC Porto fez dois totalistas, dois jogadores que estiveram em campo nos 450 minutos: Marchesín e Mbemba. O Benfica teve três, em Vlachodimos, Vertonghen e Otamendi. Além disso, no FC Porto, foram sempre titulares mais dois jogadores: Uribe e Corona. E o mesmo sucedeu no Benfica, com Everton e Darwin Nuñez. Curioso é que, além destes quatro, mais cinco jogadores portistas fizeram dois terços dos minutos (300’). São eles Manafá, Pepe, Zaidu, Sérgio Oliveira e Marega. Ao todo, nove homens fizeram dois terços dos minutos. Mas se olharmos para o Benfica, só temos mais dois homens com pelo menos 300’: Waldschmidt e Gilberto elevam o total de jogadores nucleares para sete. E para se compreender que o que está aqui em causa não é a utilização excessiva de alguns elementos, nem é preciso olhar para o percurso do SC Braga de Carlos Carvalhal neste mesmo período – cinco jogos ganhos em 17 dias, com cinco titulares em todos eles e dois que só falharam o quinto desafio por castigo – ou para um caminho feito de menores dificuldades que, por força de estar na Liga Europa e não na Champions, o Benfica terá encontrado neste período, face ao do FC Porto.
O FC Porto não tem ficado aquém do esperado por Sérgio Conceição estar a mudar muitos jogadores de jogo para jogo. Quanto muito, as dificuldades que os portistas têm encontrado justificam-se com alterações estruturais e de sistema e não de nomes: nestes cinco jogos, o treinador optou por mudar sempre o sistema de uns para os outros. O Benfica, por sua vez, não perdeu ontem no Bessa por excesso de utilização de alguns elementos do meio-campo, pois Gabriel (quatro titularidades e 297 minutos de jogo nestes 16 dias), nem Taarabt (três jogos como titular e 204 minutos em campo) nem Pizzi (quatro jogos de início e 292 minutos ao todo) estavam particularmente massacrados antes da partida do Bessa. O problema, para Jesus, é que nem frescos estes três jogadores se completam do ponto de vista da cobertura dos espaços ou da agressividade nos duelos. E como, além disso, perdem a posse com muita frequência – Gabriel por não ser um génio do passe, Pizzi e Taarabt porque arriscam muito do ponto de vista ofensivo – isso acaba por ser um problema quando a equipa adversária conjuga agressividade nos duelos com capacidade para preencher o espaço entre linhas e lá ter a bola. Já se tinha visto isso, por exemplo, no jogo que o Benfica fez na Luz com o Farense, numa altura em que o Benfica vinha descansado, com três jogos em três semanas.
Portanto, se Jesus acha que devia ter mudado a equipa, talvez tenha razão. Mas o problema no Bessa não foi de frescura. Foi a falta de um médio que o plantel do Benfica não tem.