A formação e as dores de crescimento
A ver as equipas portuguesas na UEFA Youth League multiplicam-se os elogios e adivinha-se futuro radioso aos jovens. Calma! O caminho ainda é duro.
Esta semana, enquanto via os jogos das três equipas portuguesas na UEFA Youth League, pude perceber a enorme esperança que os nossos adeptos têm nos miúdos. As transmissões da Eleven Sports são interativas, convidam os espectadores a participar através de uma hashtag nas redes sociais, e o que de lá vinha eram constantes elogios à qualidade de miúdos que não só “jogam muito” como estão à beira da afirmação na equipa principal. Não será tanto assim. Estas coisas não acontecem por decreto, levam o seu tempo e dependem de uma série de fatores, o mais importante dos quais é que para eles entrarem é preciso alguém sair. A procura da “next big thing” é uma coisa própria de mercados periféricos como o nosso, mas o sucesso depende da parcimónia na integração. E estas coisas têm sempre dores de crescimento.
Benfica e FC Porto estiveram em três das últimas quatro finais da UEFA Youth League, tendo os encarnados perdido as duas que disputaram e os dragões vencido a edição de 2018/19, batendo na final o Chelsea – que também esteve em duas finais no mesmo período e na época passada ganhou a Champions a sério. A transposição entre as duas competições, contudo, não é simples de fazer. Na final “a sério” do Dragão, contra o Manchester City, Thomas Tuchel utilizou o total de UM jogador que tenha estado nas duas decisões da Youth League que o Chelsea disputara em 2018 e 2019: Reece-James. Dos 17 jogadores que estiveram na fase decisiva (os últimos quatro jogos) da conquista de 2019 pelo FC Porto, oito já jogaram pela equipa principal: Tomás Esteves, Fábio Silva, Vitinha, Diogo Costa, Diogo Leite, Fábio Vieira, Romário Baró e João Mário. E só os cinco últimos fizeram mais de 25 jogos. Sendo que oito estão ainda no clube, havendo dois emprestados (Diogo Leite e Romário Baró) e tendo Fábio Silva valido 40 milhões de euros na saída para o Wolverhampton.
Muito se tem falado da falta de aposta de Sérgio Conceição na geração que ganhou a UEFA Youth League, mas estes números são, ainda assim, muito superiores aos verificados na equipa do Chelsea que jogou essa final. Só quatro dos jogadores comandados por Joe Edwards na tarde da decisão chegaram a estrear-se pela equipa principal dos “blues”: Lamptey, Guehi, Gilmour e Anjorin. Nenhum deles fez história. A paciência, nestes casos, é a palavra de ordem. E para o constatar basta olhar para a equipa do Benfica que esteve na final de 2020 (perdida com o Real Madrid). Dos 22 jogadores que Luís Castro utilizou nos quatro últimos jogos da competição, só cinco já chegaram à equipa principal das águias: Nuno Tavares, Gonçalo Ramos, Tiago Dantas, Morato e João Ferreira. Destes só Nuno Tavares fez mais de 25 jogos, tendo sido também o único a render no mercado de transferências – oito milhões de euros, na recente saída para o Arsenal. Mas o Benfica ainda mantém o controlo sobre 19 desses 22 jogadores, seja tendo-os na equipa B ou de sub23 ou emprestados a outros clubes da nossa Liga (João Ferreira e Tiago Dantas). Curiosamente foram também cinco os campeões europeus a chegar à equipa principal do Real Madrid: Chust, Miguel Gutièrrez, Blanco, Marvin e Arribas.
Mas recuemos dois anos, aos titulares da final de 2018, que o Benfica perdeu para o Red Bull Salzburgo. Lá estavam Rúben Dias, Florentino, Gedson, João Félix, Jota, José Gomes ou Diogo Gonçalves, todos eles já com a felicidade de terem jogado pela equipa principal, três com estatuto de internacionais A e dois a renderem transferências milionárias ao clube. Pode discutir-se o facto de o Benfica não ter aproveitado devidamente alguns destes jogadores – e aqui os casos de Florentino, Gedson e Jota saltam sempre para cima da mesa – como se discute o facto de Sérgio Conceição tardar em construir a sua equipa em torno do talento de Vitinha ou Fábio Vieira, instrumentais na seleção nacional de sub21 que esteve na final do último Europeu. Mas, lá está, o tempo da afirmação, nestas coisas, não costuma ser imediato. Se o for, das duas uma, ou se trata de um craque excecional – e desses, aparecem, no máximo, um por ano – ou a equipa principal estava mesmo muito mal. Porque a perfeição faz-se de parcimónia, de integração gradual, sem sacrificar os objetivos do topo.
Ora a história de sucesso do Sporting na última Liga Portuguesa parece contrariar esta tese. Na sua última participação na fase de grupos da Youth League, em 2018, os leões ficaram nos 16 avos de final, eliminados pelo mesmo Red Bull Salzburgo que acabaria por ganhar a final ao Benfica. Nessa equipa, comandada por Tiago Fernandes, estavam vários jogadores que chegaram à equipa principal, como Maximiano, Bragança, Jovane, Rafael Leão, Miguel Luís, Tomás Silva, Pedro Mendes ou Thierry Correia, além de um atual campeão francês (Tiago Djaló). Em função do facto de se terem sagrado campeões nacionais com alguns destes jogadores – e com muitos outros formados em casa – não pode, naturalmente, dizer-se que os leões se precipitaram na sua promoção. Funcionou no campo e era a única maneira de as coisas funcionarem, também, em termos de gestão: “Já viram as contas do Sporting?”, respondeu Rúben Amorim quando lhe perguntaram se estava arrependido de não ter ido buscar mais gente ao mercado, após a goleada sofrida contra o Ajax, na estreia na Champions dos crescidos. Mas há uma altura em que as dores de crescimento se sobrepõem a tudo o resto e em que por mais que se olhe para baixo se torna difícil ver mais luz.