A força de Portugal
A força de uma equipa mede-se pela adequação das ideias aos jogadores. Esta equipa tem mais talento que em 2016, mas ainda não é mais forte.
A seleção nacional estreia-se hoje no Campeonato da Europa e a pergunta que muitos fazem é se esta equipa tem força e qualidade para repetir o feito da que em 2016 venceu a prova. Se esta seleção é mais forte do que a de há cinco anos. A resposta não é simples e deve partir de uma definição prévia: o que faz a força de uma equipa? Até ver, para mim, esta equipa de Portugal é mais talentosa, mas não é mais forte. Se virá a sê-lo ou não já depende da correta adequação das caraterísticas dos seus jogadores à ideia global de jogo que adotar. E Fernando Santos, por enquanto, parece muito atreito à receita que lhe garantiu o sucesso no Euro’2016. A mudança fica para mais tarde.
“Não importa, não importa / Se jogamos bem ou mal”, cantava-se em 2016, na euforia que foi a festa da vitória na final contra a França. Generalizou-se na altura que aquela equipa de Portugal não jogava bem, mas sempre defendi o contrário. Portugal jogava até muito bem, já que adequara na perfeição a ideia de jogo aos elementos disponíveis. Era uma ideia de jogo mais resultadista, baseada na solidariedade, numa equipa colocada mais atrás do que muitos gostariam, não só como forma de se proteger mas também de surpreender os adversários em ataques rápidos e contra-ataques, que até são a forma de tornar mais eficaz e temível um jogador como Ronaldo. O que é jogar bem? É jogar como a Espanha, ter 75 por cento de posse de bola e não fazer um golo? Não necessariamente. A filigrana, naquela equipa de Portugal, resumia-se a meia dúzia de pormenores do próprio Ronaldo, como o golo de calcanhar à Hungria, que hoje nos apadrinha a estreia, à entrada quase sempre tardia de Quaresma, a um par de detalhes de Nani e aos momentos de condução de João Mário. O resto baseava-se nas arrancadas de Renato Sanches, na presença maciça de William ou nos carrinhos de Adrien e na solidez da linha defensiva, formada pelos seguros mas não brilhantes Cédric, Pepe, Fonte e Guerreiro, à frente do inspirador Rui Patrício.
Daí para cá, Fernando Santos só renegou essa forma de jogar no curto período da fase de grupos da primeira Liga das Nações, quando soltou o talento da nova geração, comandada por Bernardo Silva. O regresso de Cristiano Ronaldo para a “final four” patrocinou a volta dos velhos modos, ainda a tempo de garantir a vitória na competição. Só o futuro nos dirá se essa é a maneira de Santos ou apenas a maneira que Santos encontra de assegurar que o nosso melhor jogador de sempre tem condições para ser decisivo, mas uma coisa é certa: aquilo que não importa mesmo é se Portugal tem muito ou pouco talento para jogar de outra forma, mais enleante, mais de pé para pé, mais em ataque posicional e organizado, porque para já esta equipa vai ser fiel aos velhos modos e apostar tudo nas transições. Assim se explica a fácil entrada no onze de um jogador como Diogo Jota, uma espécie de clone de Ronaldo, enquanto que um ponta-de-lança mais coletivo, como André Silva, não encontra maneira de se impor. Sendo um híbrido, adaptável às duas maneiras, Bruno Fernandes não encaminha a definição para um nem para o outro lado, limitando-se a crescer quanto mais palco lhe dá Santos, como parece ser a ideia.
A questão fulcral para definir o que vai ser esta seleção no Europeu não é tanto se joga em 4x3x3, 4x4x2 ou 4x2x3x1. Fundamental mesmo é entender questões mais próprias do modelo do que do sistema de jogo. Onde se coloca o bloco? Mais à frente, convidando a tabelas como forma de tirar os adversários na frente, a favorecer o jogo de Bernardo Silva, João Félix ou André Silva? Para já, Santos tem preferido mais atrás, induzindo as transições mais velozes e verticais e o aproveitamento do adiantamento dos adversários para explorar as caraterísticas de Ronaldo ou Jota (e até de Guedes ou Rafa). Que par de médios utilizar? Partir de Danilo, mais sólido e posicional mas menos ágil na saída de bola, ou de Rúben Neves e William, menos fortes do ponto de vista da solidez defensiva mas capazes de assegurar mais qualidade numa primeira e segunda fases de organização ofensiva? E as duas questões entrelaçam-se quando se avaliam as eventuais contribuições de João Moutinho, que é o mais completo dos médios portugueses, mas também o menos fiável do ponto de vista físico, de Palhinha, que leva todo o esforço defensivo mais para a frente, assegurando uma defesa mais “alta” – e daí que toda a equipa jogue mais à frente –, ou, em sentido inverso, de Renato Sanches, que pelas suas arrancadas e pela capacidade de queimar linhas em posse convida a equipa a ficar mais atrás, de forma a poder ser mais letal quando pega na bola.
Estou convencido de que este Europeu vai ver ainda um Portugal fiel aos velhos modos, de equipa de transições. É o preço a pagar para se ter Ronaldo – e não, não julguem que a presença do capitão prejudica a equipa, porque se acho que valeria a pena trabalhar para tentar tirar o máximo dele num futebol em que o seu encaixe pareceria algo contranatura (e isso talvez exigisse tempo de treino que Santos julga não ter), parecer-me-ia uma loucura total abdicar daquilo que ele ainda pode dar a qualquer equipa. É, por isso, um engano olharmos para esta equipa e dizermos que ela é mais forte do que a de 2016 só porque tem mais talento. Mal comparado, é como achar que um tipo que fala oito idiomas pode ser fulcral numa conversa entre surdos-mudos, feita em linguagem gestual. Como em tudo, ele teria de aprender os novos modos, adaptar-se ao contexto – e a equipa de Portugal ainda não aprendeu a jogar com o talento de que passou a dispor.