A explicação para o desagrado de Santos
Depois de empatar em Paris, Fernando Santos torceu o nariz à qualidade de jogo. Mas naquilo em que se tornou a Liga das Nações dificilmente se podia pedir mais a esta equipa.
Fernando Santos fez uma careta quando lhe foi perguntado se tinha gostado do jogo que a seleção fez frente à França, ontem, em Paris. Um jogo que, dos quatro nos quais a equipa de Santos defrontou este adversário, incluindo a final do Europeu’2016, até terá sido o melhor. “Faltou uma dinâmica mais agressiva na procura do golo”, queixou-se o selecionador na flash-interview. E é verdade. Mas por muito que o selecionador agora olhe para trás e possa até ficar preocupado por estes dois zeros ofensivos consecutivos, contra a Espanha e a França, no Stade de France a equipa seguiu à risca o plano de jogo e trouxe um bom resultado para casa. Aquele ruído gutural de desagrado com que o selecionador pontuou a pergunta acerca do que acabara de ver terá tido outras intenções: as de acordar a equipa para o que aí vem, porque quarta-feira há mais e, numa Liga das Nações que está a ser transformada numa prova de resistência física, vai ser preciso fazer golos à Suécia, seja para aproveitar uma possível escorregadela na França na Croácia ou para manter a liderança do grupo graças a uma superior diferença de golos.
A sucessão de zeros no ataque nos jogos com a Espanha e a França foi inédita no Portugal de Santos, que fizera seis golos nos primeiros dois desafios da Liga das Nações: quatro à Croácia no Dragão e dois à Suécia em Solna. Em 75 jogos à frente da equipa nacional – um recorde ontem batido, descolando dos 74 de Luiz Felipe Scolari – o treinador lisboeta acumulou o 12º zero, mas conheceu pela primeira vez a aridez ofensiva em dois jogos seguidos. Tendo em conta a fama que tem, de jogar muito para o empate, estes dois resultados podem levar muitos adeptos a torcer o nariz e a considerar que isto é o normal de Santos: antes de pegar em Portugal, como técnico da Grécia, por exemplo, o selecionador conheceu cinco zeros em oito jogos realizados em 2014. Ao todo, a Grécia dele ficou em branco dez vezes em 49 jogos e é dessa fama que ele quer fugir, tanto em termos de perceção pública como sobretudo de possível acomodamento dos seus jogadores.
Portugal podia ter ganho o jogo de Paris? Podia. Mas também podia tê-lo perdido. Podia ter ganho na primeira parte, enquanto a equipa teve a energia e a concentração para cumprir rigorosamente o plano de jogo, e podia tê-lo perdido na segunda, quando os jogadores já não chegavam com a mesma celeridade aos duelos e a França passou a impedir a equipa nacional de ter tanta bola. Mas isso foi consequência do tipo de jogo que Santos quis – e conseguiu – impor aos franceses: um jogo marcado por duelos, por referências individuais. Ainda que os primeiros quatro ou cinco minutos tenham mostrado um Portugal com Ronaldo à esquerda e Félix como ponta-de-lança móvel, os dois rapidamente trocaram de posições e o jogo evoluiu para uma realidade em que a função primordial dos dois extremos portugueses – Bernardo Silva e João Félix – era a de evitar que os laterais franceses criassem desequilíbrios nas alas. E isso foi plenamente conseguido. Tal como foi plenamente conseguido, na primeira parte, pelo menos, o preenchimento dos espaços à frente da nossa linha defensiva, no corredor central, muito porque Danilo ocupava a zona entre linhas, onde caía Griezmann, e William e Bruno Fernandes estavam sempre atentos a Pogba e Rabiot.
Enquanto foi tendo mais energia e concentração, a equipa nacional teve mais bola. Não foi tão dada ao risco a ponto de conseguir criar desequilíbrios na frente? É verdade. Mas esteve sempre organizada para o momento da perda da bola e caso tivesse conseguido manter esta supremacia controlada pelos segundos 45 minutos é muito provável que tivesse acabado por conseguir um golo. Só que, da mesma forma que o jogo é uno entre processos defensivos e ofensivos – ataca-se a pensar como se vai defender e defende-se a pensar como se vai atacar –, ele também depende muito da energia e da concentração. E isso acentua-se nesta fase do que é o futebol de seleções, com jornadas triplas numa semana. Da mesma forma que se vai acentuar já na quarta-feira, quando Portugal receber a Suécia e tiver apenas um resultado como aceitável: a vitória. Ontem, Santos apenas utilizou no onze três jogadores que tinham feito mais de 45 minutos na quarta-feira, contra a Espanha – Patrício, Guerreiro e Ronaldo. Outros quatro tinham jogado exatamente meio jogo em Alvalade – Rúben Dias, Pepe, William e Bernardo Silva. A França só repetiu dois titulares da goleada à Ucrânia – Pavard e Giroud – e só lhes juntou mais dois dos que tinham jogado 45 minutos nesse desafio.
O contexto pandémico em que vivemos e que obrigou à concentração de jornadas em tão pouco tempo transformou a Liga das Nações está numa prova que também é de resistência física. E, sabendo o selecionador que, na quarta-feira, a Suécia virá a Lisboa jogar a que pode ser a última cartada para evitar a despromoção e que, no outro jogo, a Croácia também terá a última oportunidade de entrar na luta pela primeira posição – porque depois de receber a França ainda será anfitriã de Portugal –, sabe também que este terceiro jogo da sequência é aquele que não dá mesmo o direito à falha e que, nessa altura, o plano de jogo será bastante diferente.