A escolha de Messi
Será justo exigir a Messi que passe os últimos anos da carreira a liderar uma equipa que precisa desses anos para crescer? E terá ele o espírito para buscar novos desafios, onde possa ganhar já?
O que se passou ontem em Camp Nou, com a vitória do Paris Saint-Germain de Mbappé sobre o FC Barcelona de Messi, por 4-1, foi mais do que uma passagem de testemunho do artista argentino para o veloz goleador francês, que é onze anos mais novo. Foi a confirmação de fim de ciclo, não de Messi como jogador de altíssimo nível, mas de Messi enquanto líder de uma equipa que precisa urgentemente de se reinventar. Tal como disse Ronald Koeman no final do jogo, “uma reconstrução não se faz num par de meses”. Mesmo que o holandês seja o homem certo para a liderar – e tenho muitas dúvidas a esse respeito – certamente que ela virá tarde demais para um jogador que, em condições normais, devia ter pressa. Essa é a razão fundamental a justificar que Messi deva sair de Barcelona em Junho. O futebol agradecerá que o faça.
São muitos desastres seguidos. Foi o 0-3 de Roma em Abril de 2018, com Valverde a liderar as tropas e com Messi, Piqué, Busquets e Alba em campo. Foi o 0-4 de Anfield em Maio de 2019, ainda com Valverde à frente de uma equipa que tinha Messi, Piqué, Busquets e Alba em campo. Foi o 2-8 de Lisboa, com o Bayern, em Agosto de 2020, já com Setién no banco, mas ainda com Piqué, Alba, Busquets e Messi em campo. Ontem, no 1-4 de Camp Nou, face a um Paris Saint-Germain que apareceu sem Neymar e Di María, Koeman utilizou muita gente nova, muita gente da casa que dentro de uns anos será grande, mas voltou a ter Piqué, Alba, Busquets e Messi em campo. A debilidade europeia deste FC Barcelona não pode estar só nos treinadores nem nos figurantes. Tem de estar também numa estrutura que não é capaz de influenciar os mais novos a elevarem-se ao nível de adversários que a impedem de chegar à fase mais decisiva da Liga dos Campeões.
O FC Barcelona entrava neste jogo com o Paris Saint-Germain com um ambiente favorável. Sim, até tinha perdido com o Sevilha FC na primeira mão da meia-final da Taça do Rei, há uma semana, mas na Liga vinha com sete vitórias seguidas, desde o empate com o SD Eibar, ainda em 2020, a darem uma falsa sensação de conforto e de reconstrução acelerada. Novo jogo com uma equipa de topo, porém, equivaleu a nova queda. Caiu o Barça ante o PSG – e via-se à légua que ia cair mesmo antes da virada parisiense, porque em campo estavam duas forças de dimensões tão evidentemente diferentes que nenhum outro resultado seria possível – como já caíra na meia-final da Taça do Rei com o Sevilha FC (0-2), na final da Supertaça com o Athletic Bilbau (2-3), ou nas jornadas da Liga com o Atlético Madrid (0-1) ou o Real Madrid (1-3). A vitória frente à Juventus, em Camp Nou, na fase de grupos desta Champions, aparece solitária em contra-ciclo, mas mesmo essa foi contrariada depois pelo 0-3 contra os mesmos italianos, na jornada de encerramento.
A equipa que jogou ontem tinha gente nova, sim. Havia Dest (20 anos) e havia Pedri (18 anos). Durante o jogo entraram Mingueza, Riqui Puig e Trincão (todos 21 anos). “Há que ser realista. Estamos a mudar coisas na equipa, com jogadores jovens e baixas importantes. Estou seguro de que se continuarmos neste caminho melhoraremos coisas, colocaremos gente da casa… Há que ter paciência”, disse Koeman, sentenciando que “dentro de quatro ou cinco anos Pedri ou Dest vão ser muito melhores”. Só que, dentro de quatro ou cinco anos, Messi terá 37 ou 38 – e nem ele é uma máquina de desempenho físico como Ronaldo nem se lhe adivinha a capacidade de reinvenção mostrada pela sua nemesis, pelo que se admite que nessa altura já não esteja ao nível a que nos habituou. Ontem, Messi mostrou-se em dois lampejos: o passe para de Jong do qual nasceu o penalti que ele converteu no 1-0 e a assistência que até podia ter permitido a Dembelé fazer o 2-0. No final, saiu mudo, como é costume sempre que as coisas lhe correm mal. O contraste com os gritos de Piqué foi enorme, mostrando que não lhe está no sangue a liderança nem a apetência pela condução de uma nova geração que necessita de tempo que ele não tem.
Messi acaba contrato no final da época. E há várias questões que devem colocar-se antes de vaticinar uma renovação, caso as eleições do clube corram para o lado que ele quer. Se ele é o homem ideal para liderar esta nova geração. Se é justo para ele mantê-lo longe dos grandes palcos enquanto os meninos crescem. Mas também se ele tem dentro dele o espírito para ir à procura de novas aventuras, sejam a reunião com Neymar em Paris, a união com Cristiano onde quer que seja – e essa é a hipótese romântica que mais gozo me daria – ou o reencontro com Guardiola em Manchester, para fazer do City uma máquina ainda mais perfeita. Por mais que me agrade a ideia de um jogador que faz toda a carreira com uma mesma camisola, acho que Messi merecia isso. Resta saber se ele tem dentro dele a vontade de voltar a ser grande ou se os zeros no contrato lhe anestesiaram os sonhos de grandeza.