A dor no joelho do FC Porto
As equipas são corpos vivos e podem sobre-compensar. No FC Porto, a dor no joelho são os excessos ofensivos dos laterais e o que entorta as costas é a adaptação de um central à ala.
Sérgio Conceição garantiu ontem em conferência de imprensa que “não é por causa de um jogador que a equipa vai mudar a estratégia” e, mesmo sendo esse jogador Pepe e o jogo em causa a complicada deslocação a Turim para defender a magra vantagem sobre a Juventus que o FC Porto levou do Dragão, essa garantia deixa-me mais descansado relativamente às possibilidades de o campeão português continuar em competição na Liga dos Campeões do que o faria a certeza de que Pepe estará em boas condições. A tarefa vai ser árdua, do outro lado está uma Juventus poderosa, mas ainda assim acho que a melhor hipótese que Sérgio Conceição tem de equilibrar as coisas é apresentar a sua melhor versão. E essa é com dois centrais, laterais que o sejam verdadeiramente, o par de médios que melhor se conhece e os quatro desequilibradores na frente.
Depois de um ano de sucesso, a maior parte dos treinadores enfrenta aquilo a que já se chama a maldição do segundo ano, que é quando aumentam exponencialmente as opções ao dispor e o risco de erro é maior. É quando se contrata mais e, por isso, o risco de erro é maior, mas também é quando mais podem inventar, tanta é a fartura. E se durante esta temporada não chegou a levar a sério algumas das opções-extra que tem a trabalhar com ele, como Felipe Anderson ou Toni Martínez, não inventando tanto como podia ter-lhe acontecido, Conceição não viu verdadeiramente resolvido o problema causado pela saída de Alex Telles e isso tem levado a dramas de sobrecompensação, como a colocação de Sarr a lateral-esquerdo, que lhe desequilibram completamente a equipa. Estão a ver quando têm uma dor num joelho e, ao andar, protegem aquela perna, acabando por isso por ver a dor alargar à anca e até à zona lombar? É que acontece ao FC Porto.
Zaidu é um excelente lateral esquerdo, mas uma equipa faz-se de complementaridades e o nigeriano é demasiado parecido com Manafá e Nanu – Carraça, na verdade, não chegou a ser parte da equação – e diferente de Alex Telles. O facto de ter passado a dispor só de laterais corredores e de lhe faltar um elemento como Telles, que desequilibrava ofensivamente sem ter de ir ao fundo do campo, dessa forma não expondo tanto a equipa em termos defensivos, foi a dor no joelho deste FC Porto. A adaptação de Sarr a lateral esquerdo – como, antes, a de Mbemba a lateral direito – é a dor no joelho que desequilibra todo o corpo da equipa que é o FC Porto. Os dragões só ganharam um dos nove jogos que fizeram esta época adotando esta solução híbrida, que pede a um dos centrais que seja lateral em posse: em casa ao FC Paços de Ferreira (2-1), para a Taça da Liga. E até podem recordar-me que, mais logo, o FC Porto não precisa de ganhar. Certo, basta-lhe empatar. Mas é fundamental não sofrer golos e, nesses mesmos nove jogos – dois contra o Manchester City, três contra o SC Braga, e ainda frente a FC Paços de Ferreira, Nacional, Sporting e Boavista – é verdade que empataram cinco vezes, mas sofreram 16 golos. À média de 1,77 por desafio.
A ideia, em si, não é má. O SC Braga, por exemplo, usa-a e integra-a como parte do sistema que lhe tem permitido fazer uma boa época. Não estará, eventualmente, tão trabalhada no FC Porto – e já se sabe que muito do sucesso de uma ideia está na sua conversão em rotinas. É por isso que acho que o FC Porto estará sempre tão mais próximo do sucesso quanto mais perto estiver das suas ideias mais trabalhadas. E estas passam pela utilização de dois laterais capazes de dar fluidez ao seu jogo ofensivo, ainda que de preferência sem destapar atrás – e esta consciencialização é a grande diferença entre o FC Porto da Champions e o FC Porto da Liga portuguesa –, pela clara responsabilização de dois centrais pela sua zona, pela utilização a par dos dois médios que melhor articulam o subir e o ficar – Uribe e Sérgio Oliveira – e, depois, pela conjugação do quarteto que já interiorizou à exaustão as trocas posicionais de que se faz o ataque portista. Otávio a variar entre terceiro médio, 10 e ala esquerdo; Corona a variar entre extremo direito e 10, no ataque ao espaço entre linhas; Marega a variar entre a posição de ponta-de-lança, com ataque à profundidade, e a exploração do espaço entre o central e o lateral do lado direito; e Taremi a variar entre ponta-de-lança e avançado interior, a explorar o lado que os outros deixam mais vago.
Se é assim que o FC Porto funciona, não deve haver razões para mudar. Mesmo que do outro lado estejam Ronaldo e a Juventus.