A disciplina e a escolha de Cláudia Santos
Fernando Gomes vai apresentar Cláudia Santos como candidata ao CD. A deputada terá sido submetida por Mário Figueiredo à aprovação do Benfica em 2012. Mas as minhas questões vão para lá desse detalhe.
Fernando Gomes vai apresentar como candidata à presidência do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol a deputada do Partido Socialista Cláudia Santos, que já foi presidente da Comissão de Instrução e Inquéritos da Liga, onde entrou pela mão do anterior líder, Mário Figueiredo. A escolha está a motivar alguma contestação, ainda que pelas razões erradas. O problema aqui, na minha opinião, não tem a ver com a esfera do futebol, mas sim com os motivos que levam Cláudia Santos a querer regressar a um sítio onde dificilmente pode voltar a ser feliz, com a política – sendo que a Assembleia da República até já terá autorizado a acumulação de tarefas – e com a necessidade de uma justiça federativa capaz de andar sobre rodas, sem grãos de areia na engrenagem.
Diz o presidente da FPF, e a meu ver com razão, que defende como “boas práticas” que não haja repetição de mandatos em órgãos disciplinares. Daí que tenha optado por passar José Manuel Meirim para as funções de consultor, substituindo-o por Cláudia Santos. Esta opção, porém, já não é nada pacífica e levou a que o mundo do futebol se mexesse, porque a ex-dirigente foi uma das citadas nos emails alegadamente subtraídos ao Benfica e entretanto tornados públicos. De acordo com o que foi divulgado, antes de nomear Cláudia Santos, em 2012, Mário Figueiredo terá submetido a escolha ao parecer dos dirigentes da Luz, e isso é agora apontado como uma mancha na reputação da candidata. Esse, contudo, não é o maior problema. Já o terá sido. Ainda assim, a ser verdadeira aquela troca de correspondência, ela diz mais de Mário Figueiredo e do Benfica do que de Cláudia Santos.
Da mesma forma que defendi aqui que, por posições tomadas por ele nas redes sociais, o juiz Paulo Registo não tinha condições para presidir ao coletivo que vai julgar Rui Pinto, o hacker por trás da subtração e divulgação dos tais emails, também me parece legítimo admitir que Cláudia Santos possa não ter sido tida nem achada nas manobras de equilíbrio de poder que Figueiredo mantinha com o Benfica – e possivelmente com outros clubes também, que a arte do compromisso estava claramente em altas por aqueles tempos. Aliás, enquanto presidente da Comissão de Instrução e Inquéritos da Liga, Cláudia Santos cultivou a imagem de alguém que não cedia a interesses: esteve na origem do castigo de dois meses a Luís Filipe Vieira, que levou o Benfica a atrasar a entrega da taça de campeão, em 2014, para que o presidente a pudesse receber no relvado, e depois acabou por se afastar, em 2016, na sequência de uma tentativa de castigar o Sporting com uma interdição do estádio, devido a uma interpretação do regulamento que não foi subscrita pela restante comissão e que não encontrou suporte no novo presidente da Liga, Pedro Proença.
Já me parece mais estranho que, tendo conhecimento da mancha que, provavelmente até de forma inadvertida, lhe caiu na reputação com o caso dos emails, Cláudia Santos queira voltar ao futebol, onde a cada decisão que tomar lhe vão atirar com a acusação de estar ao serviço de um clube. Não será seguramente por falta de trabalho, pois já é deputada e professora universitária. Pode até ser por se julgar dona da razão – e não há mal nenhum nisso, a que se chama convicção – mas é nessa altura que convém examinar a situação com frieza e algum distanciamento. Do lado de Cláudia Santos, perceber se a disponibilidade e a reputação lhe permitirão estar à altura das necessidades do órgão. Do lado da política, entender se faz sentido permitir a acumulação de cargos. Do lado da FPF, questionar se, mesmo com todas as limitações que tem no recrutamento para os seus órgãos disciplinares, nomeadamente na impossibilidade de ter quem desempenhe funções no setor da justiça, esta é a melhor opção para uma justiça célere e cega.