A crise de identidade do Ajax
O Ajax não ganha há sete jogos e está em zona de despromoção na Eredivisie mas, mais do que de resultados, a crise que o afeta é de identidade, após as saídas de Overmars, Ten Hag e Van der Sar.
Quando entrar em campo, em Utrecht (11h15 de amanhã, Sport TV1), em desafio da nona jornada da Eredivisie, o Ajax vai lutar para não cair para uma posição de despromoção direta e para evitar a oitava partida seguida sem vitórias, desde que a 24 de Agosto – já lá vão quase dois meses – se impôs por 4-1 em Razgrad, na Bulgária, ao Ludogorets, na primeira mão do play-off da Liga Europa. Desde então, além de ter alinhado três empates e quatro derrotas e de ter apanhado pesado em casa do Feyenoord, o campeão neerlandês, que se impôs na Johan Cruijff Arena por 4-0, em jogo dividido por dois dias devido à interrupção forçada pelo mau comportamento dos adeptos da casa, o mais popular dos clubes do país caiu para o lado errado da linha de água. O Ajax está em zona de play-off e já despediu o diretor desportivo, o alemão Sven Mislintat, visto ao mesmo tempo como bode expiatório e causador da situação, por ter desprezado o chamado “modo-Ajax” e o ter trocado por uma forma alegadamente mais moderna de fazer as coisas. E a pergunta que se faz hoje já não é tanto acerca do próximo grande craque que vai sair da academia e forrar os cofres do clube, mas sim se o Ajax pode vir a descer de divisão. Não chegará certamente a tanto, mas há quatro anos e meio, quando um golo de Lucas Moura afastou a equipa de Erik Ten Hag de uma final da Liga dos Campeões que ela merecia atingir, também ninguém seria capaz de adivinhar que tão pouco tempo depois o Ajax seria 16º a caminho do final de Outubro na Eredivisie, é certo que com dois jogos a menos, com cinco pontos, oito golos marcados e doze sofridos.
É fácil olhar para o muito que mudou desde essa altura na equipa – mas fazê-lo seria falhar o tiro pelo menos por tanto como errou Mislintat quando entrou no Ajax e apresentou o modelo estatístico de ‘scouting’ como referência para reconstruir uma equipa que o mercado arrasa de forma cíclica. O modelo-Ajax é diferente, segue a máxima “há sempre um jogador na fila à espera de entrar na equipa”. Por alguma razão a academia do Ajax se chama “De Toekomst”, o que traduzido para português significa “O Futuro”. No Ajax a ideia não é limitar os danos infligidos à equipa pelas operações de mercado. É auto-infligir esses danos para encontrar o espaço de afirmação a mais e mais jogadores. Nenhum dos 16 homens que entraram em campo nas duas mãos da meia-final da Champions, com o Tottenham, em 2019, continua a representar o clube. Aliás, falso: um está lá. É Klaas-Jan Huntelaar, na altura um avançado veterano, que mesmo assim ainda se transferiu em 2021 para o Schalke 04, da Alemanha, antes de regressar, terminada a carreira, para se tornar diretor técnico. Mas De Ligt, Schone, De Jong, Dolberg, Magallan e Sinkgraven foram-se embora logo em 2019; Van de Beek, Ziyech e Veltman saíram em 2020; Onana, Mazraoui, Tagliafico e Neres em 2022; e os veteranos Daley Blind (em Janeiro) e Tadic (no verão) abandonaram em 2023. Todos somados deixaram no clube mais de 300 milhões de euros, mas a questão nem é fundamentalmente essa. A questão é que se estes craques não tivessem saído, não teríamos entretanto assistido à eclosão de Lisandro Martínez, Timber, Edson Álvarez, Gravenberch, Antony ou Haller, todos fulcrais na campanha do Ajax na fase de grupos da Champions de 2021/22 – e, sim, todos eles já fora do clube também.