A continuidade de Fernando Santos
Mesmo que por vias não institucionais, a FPF já fez saber que Santos vai dirigir a seleção no playoff. Não acho mal. Mas gostaria de ver acontecer algumas coisas até lá...
A estrutura da Federação Portuguesa de Futebol já fez saber, sem se comprometer, sempre através de fontes não institucionais, que Fernando Santos vai orientar a seleção nacional no “playoff” de acesso ao Mundial de 2022. É isso que enche as primeiras páginas dos jornais de hoje. Não acho mal que assim seja. Já disse ontem, no Futebol de Verdade, que sou, por princípio, contra chicotadas psicológicas a meio de um processo – e o processo de qualificação para o próximo Mundial ainda não se extinguiu. Mas, para ficar mais descansado, gostaria de ver alguma abertura da equipa técnica nacional no reconhecimento do falhanço evidente das ideias que vem professando e que, como também defendi ontem, não me parece que sirvam os jogadores atualmente ao seu dispor.
A tese segundo a qual isto acontece aos melhores e que é preciso relativizar o desastre que se abateu sobre a seleção nacional saiu ontem reforçada com a segunda posição da Itália, atual campeã da Europa, que foi ainda mais complacente face ao objetivo do que Portugal tinha sido. Os italianos podiam ter-se apurado na quinta-feira, se tivessem ganho à Suíça em Roma, mas não foram além de um empate (1-1), com o geralmente infalível Jorginho a perder um penalti no último minuto. Ainda assim, podiam na mesma ter-se qualificado no domingo, desde que ganhassem por dois golos à Irlanda do Norte, em Belfast – isto face aos 4-0 que a Suíça aplicou à Bulgária – mas ficaram-se por novo empate, desta vez sem golos, num jogo que acabaram com cinco atacantes (Berardi, Belotti, Chiesa, Scamacca e Bernardeschi) em campo. Para mal dos nossos pecados, no entanto, esta tese que vem menorizar o falhanço e impedir a tão desejável auto-responsabilização – o primeiro passo em qualquer processo de emenda –, pode dificultar o caminho até à fase final.
O playoff será sempre muito mais difícil de superar do que seria empatar um jogo em casa com a Sérvia, a 25ª seleção do ranking FIFA. Primeiro, porque agora teremos pela frente dois adversários e não apenas um. Depois, porque até a ilusão nascida do facto de sermos cabeças-de-série e de, por isso, jogarmos a meia-final em casa, é insuficiente para atapetar o caminho até ao Qatar. Porque se o primeiro passo deste playoff será, à partida, um jogo em casa contra um adversário de menor valia, o segundo já pode muito bem ser fora e, em princípio, se as coisas correrem normalmente, contra outro cabeça-de-série. E atenção: mesmo no primeiro jogo pode calhar-nos um adversário mais bem colocado no ranking FIFA do que a Sérvia. Há a Polónia de Paulo Sousa e Lewandowski (23ª) ou o País de Gales (19º). E nem a Suécia (17ª) está livre de ir parar ao Pote 2. No segundo jogo, o tal que pode ser fora – depende do sorteio – o nível sobe, pois podemos ter de superar a Itália, que é quarta do ranking, ou até os Países Baixos (11º no ranking), ainda que a possibilidade de a equipa de Louis van Gaal vir parar ao playoff seja muito mais improvável.
A questão é que o futebol de Portugal tem definhado. E mesmo quem fica pouco confortável a debater ideias e alega geralmente que “a ideia é ganhar” pode agora ser confrontado com o seu argumento preferido – o dos resultados. Fernando Santos dizia sempre que era “muito difícil ganhar a Portugal”. Durante anos teve razão. O atual selecionador chegou em Outubro de 2014 e, “a doer”, só perdeu o primeiro jogo em Setembro de 2016 (0-2 com a Suíça). Em 2017 só foi batido pelo Chile, nas meias-finais da Taça das Confederações, mas nos penaltis, depois de um 0-0. Em 2018 só perdeu com o Uruguai (1-2) nos oitavos-de-final do Mundial. Em 2019 somou também apenas uma derrota, contra a Ucrânia (1-2), na qualificação do Europeu. Em 2020 perdeu com a França (0-1), na decisão do grupo da Liga das Nações. Mas em 2021 já leva três desaires: 2-4 com a Alemanha e 0-1 com a Bélgica, no Europeu, e agora 1-2 com a Sérvia, a forçar a equipa ao playoff de apuramento para o Mundial. São derrotas suficientes para três anos concentradas em cinco meses.
Perante este cenário, a decisão mais popular seria demitir o selecionador. Os resultados dos inquéritos de opinião feitos pelos jornais nas edições de hoje não andam longe dos mostrados pela sondagem que lancei ontem no meu Instagram, à qual 69 por cento dos cerca de 300 votantes responderam que queriam mudar já de selecionador. A mudança súbita teria, ainda assim, várias contra-indicações. Primeiro, porque seria fruto da frustração – e raramente se tomam boas decisões a quente, em momentos de frustração. Depois, porque viria impedir Fernando Santos de terminar o trabalho – e os ciclos extinguem-se no final das competições, não a meio. Depois ainda, porque esta equipa, com Fernando Santos, já jogou de acordo com aquilo que as caraterísticas dos jogadores recomendam, na fase de grupos da Liga das Nações de 2019. Finalmente, porque não seria fácil encontrar uma boa solução assim de repente. Já se fala em André Villas-Boas, mas estará ele disponível para associar o seu futuro como treinador ao resultado de dois jogos de “mata-mata”? Estará algum treinador disponível para correr esse risco sem ter tempo para trabalhar com os jogadores e transmitir-lhes as ideias que defende?
Não acho mal que seja Fernando Santos a orientar a equipa no playoff – e não é por gratidão face aos títulos conquistados em 2016 e 2019. Mas ficaria muito mais descansado se o visse refletir acerca do falhanço de forma um pouco mais elaborada do que a que mostrou depois da derrota com a Sérvia. Se o visse abordar questões como a ideia de jogo, a opção entre mandar ou reagir ou a compatibilização do futebol de Ronaldo com um jogo apoiado e de posse. E também creio o playoff é o limite. O apuramento deve valer a manutenção de Santos no cargo. A eliminação deve permitir-lhe sair para a galeria dos notáveis, por tudo o que fez pela seleção. Porque aí começa um novo ciclo, o do Europeu de 2024.
Apurado ou não o ciclo esgotou-se e depois do mundial é urgente fazer-se a substituição de Fernando Santos. Mas atenção o maior falhanço desta seleção, neste jogo em particular, foi a falta de um coletivo forte, que acaba de ser ratificada pela Comunicação em geral, ao destacar o jogador mais individualista da seleção. Temos que ser coerentes queremos uma seleção que funcione como equipa ou um conjunto de individualidades? A seleção vai ter necessariamente que se renovar, há talento mais que suficiente para fazer uma equipa competitiva e que nos encha de orgulho, mas atenção tem que traçar o seu caminho e por o talento ao serviço do coletivo!