A condenação da pirataria
Nenhum jogador entra sozinho em atos de pirataria como o que levou Leão do Sporting para o Lille OSC. A condenação solidária do clube francês pelo TAS é a reposição da normalidade. Nada mais.
A sentença do Tribunal Arbitral do Desporto, que ontem considerou o Lille OSC responsável solidário pela indemnização que Rafael Leão deve pagar ao Sporting, abre a única via razoável para se sair do imbróglio em que o mau aconselhamento levou o jogador a entrar. O clube francês foi o único a lucrar com a formação do jogador: recebeu 29,5 milhões de euros do Milan só por lhe ter servido de barriga de aluguer durante um ano e deixou todos os outros envolvidos a arder. O Sporting, que perdeu a custo zero um talento que formara e lançara, não viu um cêntimo. E o próprio futebolista não pode senão sentir-se usado, como se percebe pelo que disse (nas escutas telefónicas a que esteve submetido por causa de Luís Filipe Vieira) o super-agente Jorge Mendes a Hugo Viana, diretor dos leões: “vai trabalhar toda a vida” para pagar a dívida.
Não será bem assim, que Leão está a negociar uma renovação de contrato com o Milan, por mais quatro anos, até 2026, pelos quais receberá 16 milhões de euros, apenas meio milhão abaixo da verba que o tribunal o condenou a pagar aos leões. Mesmo para um futebolista, para alguém a quem o declínio chega tão rapidamente como o auge, quatro anos não são uma vida inteira. Mas aqueles 16,5 milhões – entretanto incrementados para perto de 20 à conta dos juros – continuarão certamente a ser uma pedra na chuteira de um jovem que tinha tudo para um dia ser figura do Sporting. Tinha qualidade, que desde cedo mostrou, por exemplo, na UEFA Youth League, abrindo o apetite dos desatentos aos escalões inferiores com um golo pela equipa principal ao FC Porto, no Dragão, naquele que viria a ser o seu quinto e último jogo pelos crescidos, faz para a semana quatro anos. Tinha ainda o contexto, de um clube em dificuldades financeiras, que com o tempo foi forçado a olhar para a formação como via de viabilização. Tinha até o nome – não nasce Leão quem quer. Não teve, nunca, gente capaz de o aconselhar da melhor forma.
Foi isso que levou a que, nestes quatro anos, tivesse acumulado a superação de sucessivas barreiras profissionais com a angústia de não perceber como vai sair do filme em que deixou que o metessem quando recusou a renovação que estava a negociar “à socapa” em casa de Sousa Cintra e optou por seguir para o Lille OSC – conta quem lá esteve que foi descoberto à conta de um pedido de pizza, invulgar naquelas circunstâncias... Foi a afirmação no Milan, foi a chegada à seleção nacional, é a renovação de contrato que está a chegar, finalmente com valores a que nenhum clube português poderia chegar – Leão ganhava, até aqui, 1,5 milhão por ano, ainda perfeitamente dentro das possibilidades de qualquer grande em Portugal. Aos 22 anos, Leão poderá por fim centrar-se totalmente na carreira e esquecer este problema que certamente lhe ensombra os sonhos e lhe turva os objetivos. E isso é uma boa notícia, porque ainda vem muito a tempo de lhe permitir ser uma das referências do pós-Ronaldo na seleção nacional, um dos valores mais seguros desta nova geração.
O que esta sentença veio estipular, sobretudo, é que a pirataria tem um preço. O que o Lille OSC fez neste caso foi um ato de banditismo futebolístico – e ninguém que ande no futebol acreditará se do lado do clube francês argumentarem que achavam que o jogador estava livre, mais ainda quando se vê que quem por lá tomava decisões eram o português Luís Campos e o hispano-luxemburguês Gerard Lopez, entretanto feito acionista de referência do Boavista. Não se trata também de julgar se Leão – e os outros que estavam em Alcochete no dia da invasão – tinha ou não justa causa para rescindir, que esse tempo já teria passado à história quando o jogador esteve a negociar um novo contrato em casa de Cintra. Como não se trata de tecer considerações estratégicas acerca dos acordos que a Comissão de Gestão do Sporting fez com o Atlético Madrid, o Betis ou o Wolverhampton WFC, permitindo as saídas de Gelson Martins, William Carvalho ou Rui Patrício a troco de um total de 56 milhões de euros – a via do conflito era possível, como se vê no caso de Leão, mas a verdade é que quatro anos passados o dinheiro ainda estaria muito longe de chegar e havia que assegurar os tempos que aí vinham.
Trata-se acima de tudo de fazer uma declaração de intenções. A FIFA vai agora estipular que parte dos 16,5 milhões a que o Sporting tem direito caberá ao Lille OSC – e será certamente a maior parte, visto que o clube francês transferiu o jogador, um ano depois, por quase o dobro deste valor. Trata-se de partir do princípio de que nenhum jogador salta fora de um clube sem ter onde aterrar a seguir e de fazer saber aos interessados em atos de pirataria como este que a conta acabará sempre por chegar. E isso transcende em muito o julgamento daquilo que se passou em Alcochete ou da forma como foi feita a gestão dos meses que se seguiram no Sporting.
Normalmente, estes casos acabam mal. Não para os clubes, não para os diretores desportivos, não para os empresários, mas para os atletas,. Quantos, por causa disto e não só, passaram ao lado de uma grande carreira
Ao menos há quem perceba o que se passou e quais as verdadeiras razões do desencaminhamento de Rafael Leão. Infelizmente o ato de pirataria tem um português por trás (Luis de Campos), mas dve ser condenado e levado até às últimas instâncias!