A classificação final explicada
Acabou o campeonato e é altura de lhe fazer contas à classificação final, encontrando explicações para a ordem que a bola estabeleceu. E que é sempre justa.
Acabou a Liga e aquilo que me move não é descobrir se a classificação foi justa ou injusta ou sequer se foi a esperada. A justiça, um campeonato de 34 jornadas encarrega-se sempre de a servir e bastará olhar para a previsão que fiz da tabela final, antes de a prova começar, para ver que estava à espera de outras coisas. Nesta altura, o que há a fazer é achar explicações para o que aconteceu de diferente daquilo que era previsível – e garanto que elas não são assim tão difíceis e nas ceram quase sempre na competência e na incompetência da política desportiva definida nos gabinetes.
No topo, o FC Porto acabou com cinco pontos de avanço sobre um Benfica que, à partida, no papel, parecia ter um plantel mais apetrechado. Resultado, em primeiro lugar, de uma clara superioridade nos dois jogos entre ambos – os dragões ganharam por 2-0 na Luz e por 3-2 em casa, o que por si só chega para explicar a diferença. Mas resultado, depois, de uma quebra assinalável de rendimento das águias na segunda metade da Liga. Ambas as equipas fizeram menos pontos do que na época passada – o FC Porto caiu de 85 para 82, o Benfica de 87 para 77. Mas o que mais salta à vista é a diferença de rendimento dos encarnados da primeira para a segunda volta: enquanto a equipa de Sérgio Conceição fez os mesmos 41 pontos em cada uma das metades da Liga, o Benfica chegou a meio da prova com 48 pontos e só lhes juntou mais 29 na segunda metade. Não foi uma questão de treinador, até porque Bruno Lage tinha contribuído para uma divisão igualmente assimétrica dos pontos na Liga anterior, na altura conduzindo a equipa ao título com 49 pontos na segunda volta, depois de ela ter feito 38 na primeira, ainda com Rui Vitória. O que quer que se tenha passado, deveu-se à resiliência no trabalho de Sérgio Conceição e Pinto da Costa – o tal grito após a derrota na final da Taça da Liga, em Braga, com a equipa a sete pontos do topo – e à incompetente abordagem que os encarnados fizeram ao mercado, contratando jogadores de que não precisavam. Weigl é um excelente médio, mas o Benfica precisava mais de um central ou de um lateral-esquerdo; já Dyego Souza foi só soberba.
Logo a seguir, o SC Braga acabou à frente do Sporting, o que também se explica em boa parte pela capacidade que os guerreiros do Minho tiveram de se impor nos duelos com equipas do “seu campeonato”. Se imaginarmos um campeonato a quatro, entre os que muitos veem como candidatos ao título, o SC Braga foi tão forte como o FC Porto, com 12 pontos: ganhou as duas partidas ao FC Porto, uma ao Benfica e uma ao Sporting. Em contrapartida, os leões acabaram com apenas três pontos, resultado de duas derrotas com os portistas, outras duas com o Benfica e da divisão de pontos no confronto direto com os bracarenses. A única vitória obtida pelos leões – que além disso só fizeram um ponto em dois jogos com o Rio Ave e zero nas duas partidas com o FC Famalicão – aconteceu logo à segunda jornada, quando Marcel Keizer (era ele o treinador…) ainda dispunha de Bruno Fernandes, Bas Dost, Raphinha e até de Diaby ou Thierry Correia, entretanto vendidos e trocados por refugo do mercado ou por miúdos ainda sem andamento para estas coisas. Foi por isso que, ao ouvir António Salvador dizer que “fizeram tudo para o SC Braga não ficar em terceiro lugar”, só consegui pensar: fizeram? Quem? A troca na hierarquia esperada entre Sporting e SC Braga deve-se a um bom aproveitamento por parte dos arsenalistas dos rejeitados dos grandes (Esgaio, Palhinha, Wilson, os manos Horta, Galeno…), à eclosão de uma série de bons valores da formação local (Carmo, Trincão), mas também à política desportiva desastrosa em Alvalade, que continuou a promover a destruição qualitativa de um plantel que está a perder desde os incidentes de Alcochete, em 2018. Mas que não só já não tem a ver com a herança da gestão anterior, como parece estar para continuar – basta ver o que o Sporting se prepara para fazer com Palhinha, um dos rejeitados de Alvalade que esteve no terceiro lugar minhoto, mas que será transferido para o clube poder acolher mais um jogador do mercado internacional. Tudo somado, o SC Braga obteve o terceiro lugar com menos sete pontos do que os que lhe tinham valido o quarto lugar em 2019 – baixou de 67 para 60 – porque a quebra do Sporting – de 74 para 60 – foi ainda maior.
Ora se todos os quatro primeiros classificados fizeram menos pontos do que há um ano – ao todo perderam 34 pontos… – isso só pode ser sinal de que, logo a seguir, alguém ganhou esses pontos. E é isso que me leva à sensação de que esta Liga teve uma guarda de honra de excelente qualidade. Numa corrida a três da qual o Vitória SC desistiu cedo demais por falta de capacidade de finalização – ainda assim os vimaranenses só fizeram menos dois pontos do que no quinto lugar europeu de há um ano – impressionaram, pela qualidade do seu futebol, as equipas do Rio Ave e do FC Famalicão. Os vila-condenses, com mais dez pontos do que em 2018/19, acabaram por levar a melhor porque encararam o campeonato como prova de endurance: melhoraram da primeira para a segunda volta (25 pontos na primeira metade e 30 na segunda), enquanto o rival piorou (31 pontos a abrir, 23 a fechar). Porque em termos de condução desportiva, ambos deixaram bons sinais, sobretudo na forma como juntaram inesperadamente bons valores internacionais (Taremi, Martínez) a jogadores portugueses que estão a chegar à maturidade desportiva e dariam jeito a muita gente acima da posição que ocuparam (Nuno Santos, Carlos Mané, Pedro e Diogo Gonçalves, Fábio Martins…). Muito bom o trabalho, quer de Carlos Carvalhal, quer de João Pedro Martins na condução destas duas equipas.
Por fim, na luta pela fuga à despromoção, a maior surpresa foi a condenação prematura do CD Aves, claramente por questões ligadas com um fenómeno de implosão, com origem na SAD. De resto, surpreendeu pela positiva a forma como o Gil Vicente foi capaz de chegar a um extraordinário décimo lugar, com uma equipa que Vítor Oliveira juntou do nada, em cima do início do campeonato). Acabou por sair ao Portimonense a fava da descida, apesar de um despertar patrocinado pela chegada de Paulo Sérgio ao comando da equipa. Nas primeiras 20 jornadas, com António Folha, o Portimonense fez 14 pontos (média de 0,7 por jogo). Nas 14 rondas seguintes, já com Paulo Sérgio, somou 19 (1,35 por jogo). Transposta para uma Liga inteira, esta média daria 46 pontos e um tranquilo oitavo lugar. Como foi, não chegou para evitar a descida à II Liga, à qual escaparam in-extremis, como já vem sendo habitual, o Vitória FC e o CD Tondela. Mais tranquilos os beirões, uma das poucas equipas que não trocaram de treinador ao longo da temporada – o futebol positivo de Natxo González acabou por dar frutos –, mais sôfregos os sadinos, com múltiplas mudanças de rumo e um regresso ao eixo securitário para o final com Lito Vidigal.