A ciência oculta das dinâmicas
Nem Conceição nem Jesus vão inventar nada de novo no clássico. Mas ambos dispõem de peças móveis que lhes permitem alterar a filosofia sem mudar a tática. Viagem à "ciência oculta" das dinâmicas.
Acho piada a quem, antes de jogos como o FC Porto-Benfica de hoje, entra numa espécie de delírio criativo e desata a magicar formas radicalmente diferentes para os treinadores porem as suas equipas em campo, de maneira a melhor contrariarem a oposição. Como se um jogo desta importância alguma vez pudesse ser um “rato de laboratório”, sujeito a experiências. Ontem, Sérgio Conceição e Jorge Jesus foram firmes no que disseram ao Mundo, através dos jornalistas, e se há coisa de que não duvido é que nenhum dos dois vai inventar. FC Porto e Benfica apresentar-se-ão nos seus habituais 4x4x2, ainda que ambas as equipas tenham peças móveis, de cuja escolha depende a tal ciência oculta da tática. É aquilo a que os especialistas chamam “as dinâmicas”. É aí que se vai jogar o clássico.
Quem vai ser o lateral esquerdo do FC Porto? E quem vai ser o segundo médio do Benfica? – escolha da qual dependerá também o nome do segundo avançado. São estas as duas decisões que vão condicionar a definição dos onzes para o clássico de mais logo. Depois, há situações que têm a ver com momentos de forma, mas que não mudam rigorosamente nada em termos de comportamentos coletivos, como a do extremo-direito do Benfica ou a do lateral-direito do FC Porto. Jogue Manafá ou Nanu, jogue Rafa ou Pedrinho. Fundamental mesmo é perceber se joga Zaidu ou Sarr, se joga Gabriel ou Waldschmidt. Não que isso mude as equipas no que respeita a posicionamentos – nem o FC Porto passa a alinhar num esquema de três centrais se entrar o francês, nem o Benfica muda para 4x3x3 se entrar o alemão. Mas, como bem disse Sérgio Conceição, “o jogo é feito de relações, entre defesa e lateral, lateral e médio, médio e avançado… por aí a fora”. E, mesmo não mudando a base, estas escolhas condicionarão todo o comportamento das duas equipas.
Vejamos o FC Porto, que já entra prejudicado com a ausência de Otávio, afastado pelo teste positivo à Covid19. Por causa disso, Corona será chamado a mudar de funções, deixando de ser o terceiro avançado, o que dá largura na frente – o que ele faz geralmente pela direita – para ser o terceiro médio, o que parte do corredor central para ocupar a faixa quando os dois pontas-de-lança (Marega e Taremi) estão interiores. O mexicano é melhor jogador do que o brasileiro, mas não é tão forte nesta missão, o que à partida deixará a equipa mais fraca. Mas ao mesmo tempo nela entra Luís Díaz, que não só tem mais golo do que Corona como terceiro avançado como prefere a faixa esquerda para jogar. E isto, como é evidente, condiciona toda a equipa, porque de certa forma trava a intenção de jogar com um lateral esquerdo que faça todo o corredor – à direita, sim, isso será mais necessário, porque é esse o flanco mais “livre”. Estou convencido de que Conceição vai escolher Zaidu e não Sarr para o lado esquerdo, ainda que tenha de fazer entender ao nigeriano que um jogo não é uma sucessão de sprints até à linha de fundo: o FC Porto tem sido menos fiável defensivamente esta época porque lhe falta um defesa-lateral com capacidade para desequilibrar desde trás – como Alex Telles – e tem nas alas dois corredores que por vezes vão os dois ao mesmo tempo.
No Benfica, a dúvida está no corredor central. E pode ser vista de duas maneiras. Quem para jogar ao lado de Weigl? Ou quem para jogar perto de Darwin Nuñez? Porque uma questão condiciona a outra – lá está, “o jogo é feito de relações”, como disse Conceição. Há um Benfica mais virado para a frente com Pizzi a segundo médio e Waldschmidt a segundo avançado. E há um Benfica mais virado para trás com Gabriel como segundo médio e Pizzi como segundo avançado. Aliás, na verdade há até uma terceira opção, com Pizzi a sair da direita, sacrificando o médio-ala, e dessa forma mantendo no onze Waldschmidt e Gabriel. Sucede que nem tudo o que parece é. Porque se em vez de olharmos para esta escolha como uma forma de arrumar as peças no campo a virmos como o reflexo de uma decisão mais filosófica – querer ter bola ou cedê-la ao opositor e ser mais agressivo sem ela – até pode ser mais seguro para Jesus jogar com Waldschmidt em vez de o fazer com Gabriel, porque mesmo que isso permita mais capacidade defensiva, juntar o brasileiro e Pizzi no onze significa aumentar a percentagem de passes de risco e, portanto, as hipóteses de perder a bola e de precisar da tral agressividade-extra para a recuperar. Creio que, até para não dar para fora uma imagem de medo, Jesus vai entrar com Weigl e Pizzi ao meio. E até admito que se lembre de chamar Seferovic para jogar à frente de Darwin, abdicando de Waldschmidt, pois os movimentos de Pizzi permitiriam na mesma preencher o espaço dentro do bloco adversário e usar com dois avançados mais dados a procurar a profundidade do que desmarcações de apoio, ganhando na área a contundência que perderia a meio-campo.