A Champions em Lisboa e o PIB da nação
O que está em causa não é anestesiar o povo nem enaltecer a capacidade organizativa da FPF. É o “regresso do turismo”. E é o PIB. Entendo, mas mais do que entusiasmado fico preocupado.
A atribuição da Final-8 da Liga dos Campeões à cidade de Lisboa poderá servir para lançar alguma luz sobre a relação existente entre o poder político e o poder desportivo – que ontem ficou credor – em Portugal, mas deve ser vista como uma vitória que interessa bastante mais ao Conselho de Ministros do que à assembleia de clubes ou aos adeptos anónimos. O que está aqui em causa não é anestesiar o povo nem enaltecer a capacidade organizativa ou a influência internacional da FPF. O que está aqui em causa, como reconheceu o Presidente da República, é a batalha pelo “regresso do turismo internacional” e a “retoma das economias”. O que está em causa é o PIB. O resto são frases de conveniência e salamaleques que me dizem pouco.
Já tinha escrito que se a ideia era fazer a Final-8 da Champions sem público, ao adepto português tanto fazia ser aqui como na China – pois se era para a ver na TV… Ontem, afinal, Aleksandr Çeferin, presidente da UEFA, veio dizer que “seria incompetente se fosse agora dizer se pode ou não haver público” nos jogos da Champions, remetendo uma decisão para “meados de Julho”. Ora ainda há uma semana a Diretora Geral da Saúde, Graça Freitas, foi taxativa quando disse que “não está a ser equacionado o regresso aos estádios nem se perspetiva qualquer alteração nesta época”. Tendo em conta que a época termina a 1 de Agosto, com a final da Taça de Portugal, e a Champions em Lisboa começará a 12, com o primeiro jogo dos quartos-de-final, vai ser preciso um spin dos diabos para explicar aquilo que pode mudar numa semana e meia, a ponto de justificar uma decisão como essas, afetando uma região que, para já, vem concentrando todos os dias nove em cada dez casos de infeção pela Covid-19 em Portugal.
Já se vê, no entanto, que a pressão é enorme. Çeferin falou do público, Marcelo Rebelo de Sousa foi mais longe e não mencionou apenas o turismo – falou do “turismo internacional”. Ora, como não há turismo sem turistas, aquilo que se perspetiva não são apenas jogos com público nas bancadas. São jogos com adeptos vindos de quatro ou cinco países, que além de irem aos estádios poderão deliciar-se com as maravilhas da cidade de Lisboa, com as praias à sua volta e a nossa acolhedora vida noturna. Perante isto, consigo entender vários tipos de sentimentos – e a felicidade por ver a UEFA reconhecer a nossa capacidade organizativa ou pela confirmação da influência granjeada pela FPF de Gomes e Craveiro em Nyon é um deles mas não é, de todo, o principal.
Aqui chegado, irrita-me que a atribuição da Final-8 da Liga dos Campeões esteja a ser utilizada pelas elites anti-futebol para, mais uma vez, tentarem destruir o papel que o desporto-rei tem na sociedade portuguesa, como se o facto fosse para anestesiar o povo com pão e circo. Nunca estiveram tão errados, pois nem os portugueses se anestesiam a não ser com os seus clubes, nem estes jogos serão para eles. Estão mesmo a ver os adeptos do Benfica ou do FC Porto a correrem para o Marquês ou para os Aliados porque a Champions sorriu à Juventus de Ronaldo, não estão? Esqueçam.
E entendam por favor uma coisa: a Final-8 da Champions em Lisboa não é um favor do país aos grunhos do futebol. É sobretudo um favor do futebol ao país. E é um favor que me deixa ao mesmo tempo intrigado, consternado e preocupado. Fico intrigado acerca da retribuição do poder político – que favores virão de lá em troca? – e das cisões internas que poderão ser agravadas no futebol em face da desistência do resto da época na II Liga e no Campeonato de Portugal, como muito bem salientou ainda ontem Rúben Amorim. Fico consternado, não apenas com o futuro de clubes que foram condenados à paragem forçada por seis meses – e alguns a descer de divisão sem se defenderem em campo – por falta de condições para que se jogasse, mas também com os adeptos que andam há meses a ouvir que não há condições de segurança para entrarem nos estádios mas depois vão ver as visitas ocupar os lugares que eles pagaram e foram obrigados a deixar vazios.
E fico preocupado com a ideia de ver em Lisboa, daqui pouco menos de dois meses, milhares de adeptos de oito das maiores equipas da Europa – e eles virão mesmo que os jogos acabem por decorrer sem público, pois há sempre a hipótese de se juntarem em torno dos estádios, à volta dos hotéis ou dos centros de estágio onde os seus heróis irão treinar. Não estou a dizer que é um erro, pois ainda não sei como a coisa se vai fazer em termos de medidas de defesa da saúde pública e reconheço a necessidade de satisfazer o apetite dos nossos responsáveis políticos por visitas e a justa necessidade dos empresários do setor do turismo dinamizarem a sua indústria, provavelmente a mais afetada pela pandemia. Mas ainda há uma semana ouvi as autoridades justificarem o facto de poder haver público noutros espetáculos mas não no futebol com o facto de o público do futebol ser por natureza incontrolável nas suas emoções. Ainda bem que isso deixou de ser um problema.
Agora é só aplicar a regra à Liga Portuguesa.