A centralização e a guerra que aí vem
A centralização dos direitos televisivos vai mesmo avançar, mas é bom que as pessoas entendam que as coisas ainda vão piorar antes de melhorarem. A guerra começa agora.
A Federação Portuguesa de Futebol e a Liga Portugal anunciaram ontem de forma conjunta, para regozijo do Secretário de Estado do Desporto, que os direitos televisivos do campeonato português serão centralizados antes de 2027. É uma boa notícia, mas é também uma “vitória de Pirro”, pois é bom que toda a gente perceba que as coisas vão piorar antes de melhorarem. Fruto dos valores conseguidos pelos três grandes na última renegociação, feita num contexto extraordinariamente favorável, que foi o da entrada da Altice no mercado nacional, o futebol português já recebe o máximo que os operadores podem pagar por ele – e também ganhar alguma coisa com isso. Convençam-se, portanto, que a centralização dos direitos televisivos não trará mais dinheiro para o futebol. Permitirá, isso sim, que esse dinheiro seja distribuído de uma forma mais justa. Só que para tal ainda é preciso outra coisa: coragem política de ir contra a ditadura das maiorias.
Muita gente anda a perceber a coisa ao contrário e centra-se nas diferenças entre aquilo que recebe o vencedor da Liga em Portugal e aquilo – muito mais – que é pago em Inglaterra ao último classificado da Premier League, por exemplo. A comparação, no entanto, deve ser feita entre o dinheiro que chega aos três grandes da Liga portuguesa e o que chega a qualquer outra equipa, mesmo que venha a ocupar um lugar no pódio em vez de um deles. Porque então, sim, estaremos a falar do mesmo produto, com a mesma capacidade de gerar receita. O último classificado da Liga inglesa recebe muito mais do que o campeão da Liga portuguesa porque lá os direitos são centralizados, é verdade. Mas recebe mais, sobretudo, porque o seu produto é exibido num mercado que não só é muito mais amplo como é global: gera muito mais utilizadores-pagadores, não só em Inglaterra, onde a população é maior, como também, por exemplo, em Portugal, e em mercados gigantescos como o chinês. Ainda ontem vi jogar – e pago por isso na assinatura mensal – o Sheffield United, que é último na Premier League, mas calculo que anteontem não tenha havido muitos estrangeiros com interesse em pagar para ver jogar o Boavista, último da Liga portuguesa. E atenção, que a diferença vem muito do avanço que os ingleses levam em termos de marketing, da capacidade que tiveram para impor o seu produto internacionalmente no tempo certo.
Portanto se é adepto de um dos três grandes e já esfrega as mãos de contente, esqueça! Se está centrado apenas na capacidade de o seu clube poder ter, já, mais dinheiro para competir internacionalmente, com orçamentos mais próximos dos gigantes internacionais, esta não é uma medida que o ajude no curto prazo. Porque não só o seu clube não vai receber mais da televisão como há até a possibilidade de receber menos. Não é uma conta difícil de fazer: se as TVs não geram mais receita com o produto, se (mantendo a racionalidade da gestão) não vão pagar mais por ele e se a ideia é distribuir o dinheiro de forma mais justa por todos, então os que agora recebem mais deverão passar a receber um pouco menos, de forma a que os que recebem quase nada possam receber um pouco mais. É por isso que a centralização dos direitos ainda não avançou, tornando Portugal uma ilha na Europa do futebol: os grandes não a querem, pois sabem que as contas dificilmente os favorecerão.
Ainda assim, a centralização é uma boa medida. Primeiro que tudo porque é justa e pode permitir às equipas que jogam a mesma Liga uma capacidade financeira mais aproximada. E depois porque, assim sendo, é a melhor forma de potenciarmos a competitividade interna, de melhorarmos o futebol português como um todo e, consequentemente, de aumentar a sua capacidade para convencer audiências no estrangeiro e a capacidade dos seus clubes para serem mais competitivos internacionalmente também. Mas atenção: uma coisa é impor a centralização e outra, bem diferente, será fazer cumprir os seus mais básicos preceitos, que passam pela distribuição mais equilibrada da receita, atendendo a valores como o mérito desportivo e a audiência angariada. Sou sensível a boa parte da argumentação de FC Porto, Benfica e Sporting, pois o tecido social português é extremamente diferente do inglês, por exemplo, e se por lá os adeptos se dividem mais pelos clubes, por cá os três concentrarão o interesse principal de 90 por cento dos utilizadores-pagadores – e por isso acham que devem ser pagos em concordância.
A guerra ainda nem começou.