A Big Picture na luta entre UEFA e FIFA
Quando Wenger sugere que se acabe com a Liga das Nações está a pensar nos interesses da FIFA. Porque a prova é da UEFA. Mas é boa e, mais do que acabar com ela, há que encontrar-lhe espaço.
A Inglaterra futebolística está ao rubro a debater uma coisa chamada “Project Big Picture”, que com a exceção de questões de poder e dinheiro praticamente não muda nada, e Arsène Wenger, o francês que se tornou uma instituição londrina graças aos 22 anos que passou ao comando do Arsenal, disparou da sua nova base de Zurique, onde trabalha para a FIFA, que “temos de nos livrar da Liga das Nações”. Alega o chefe do departamento de desenvolvimento global da FIFA que é urgente que encontremos “eventos que as pessoas compreendam” e não é preciso ser um génio de análise política para entender que, tal como o verdadeiro problema em Inglaterra não é a redução da Premier League para 18 clubes ou a supressão da Taça da Liga, mas o aumento do poder de voto dos maiores clubes, a questão para a FIFA não é a dificuldade para as pessoas virem a compreender o formato da Liga das Nações, mas sim o facto de a prova criada pela UEFA ser a mais interessante do panorama internacional atual. Daí que me pareça que não, não temos de nos livrar da Liga das Nações. Temos é de lhe encontrar um espaço mais apropriado no panorama internacional.
O palco, aqui, é sempre financeiro e teve dois grandes fatores a influenciá-lo. Num deles, a quase duplicação do total de nações europeias que o desmembramento da URSS e dos seus satélites provocou, o futebol teve zero influência. Mas também há muita responsabilidade das instituições futebolísticas (FIFA e UEFA) na forma como as provas foram perdendo o seu interesse: falo do aumento de participantes nas fases finais que transformou as fases de apuramento em meros “proforma” para a maior parte das melhores seleções. Ainda cobri profissionalmente um Campeonato da Europa com oito finalistas apenas – o da Suécia, em 1992. E depois a UEFA seguiu o caminho da FIFA, que em 1982 já tinha aumentado o total de equipas no Mundial, das 16 que tinham estado em 1978 para 24. O Europeu de 1996 já foi jogado por 16 finalistas, o Mundial de 1998 lá passou a ter 32 seleções e o Europeu de 2016 levou 24 seleções a França. Os fatos que circulam por Zurique e Nyon podem dizer-lhe que é para permitir a alegria da participação a mais seleções, para concretizar o sonho de mais jogadores, mas a realidade é que estes sucessivos aumentos se destinam sobretudo a alargar a mais zonas geográficas a influência do evento. A aumentar as zonas de proveniência dos turistas que metem férias para acompanhar as equipas naquele mês (e que gastam dinheiro durante as fases finais) e a incrementar o interesse televisivo pela prova em mais regiões, aumentando assim o bolo disponível no pacote de direitos televisivos que é vendido. Tudo é dinheiro.
No meio disto tudo, não duvido por um instante que a Liga das Nações também é dinheiro – foi a primeira prova nascida na modernidade e já foi pensada de forma a multiplicar os francos suíços à volta do jogo. Mas, independentemente de o contexto pandémico levar a que esteja neste momento a ser jogada à pressa e com mais frequência de jogos do que seria desejável ou até aceitável, tem um mérito inquestionável: trouxe interesse competitivo ao futebol de seleções. Porque, tal como sucede no futebol inglês, faz sentido ter os grandes a jogar com os pequenos, para permitir o crescimento competitivo destes, para lhes dar um objetivo, um sonho – “Um dia quero jogar contra o Cristiano Ronaldo”… Mas não faz sentido ter as equipas mais fortes do Mundo a passear durante todo o ano, a jogarem quase exclusivamente contra as Andorras, os Gibraltar, os Liechtensteins ou os São Marinos deste continente, porque sabem que para marcar presença nas fases finais dos Mundiais e dos Europeus já quase lhes basta respirar e aguentar-se em cima de duas pernas. Aliás, nem a FIFA e a UEFA quereriam que essas seleções falhassem o apuramento, porque imaginar neste momento uma fase final de um Europeu sem Ronaldo, sem Mbappé, sem Lewandowski ou sem De Bruyne é o que mais próximo se pode estar de um pesadelo de marketing.
Não vou, portanto, achar que Arsène Wenger está a pensar mal quando ele sugere que se acabe com a Liga das Nações. Ele está a pensar bem, mas apenas de acordo com o interesse da instituição que serve atualmente, que é a FIFA, cuja conveniência é tantas vezes oposta à da UEFA. Porquê? Por causa do dinheiro, pois então. Porque o que uma fatura não fatura a outra. Ao colocar as 16 melhores seleções da Europa a competir entre elas numa prova em que só quatro chegam a uma fase final, a Liga das Nações foi a melhor notícia do futebol de seleções desde que me conheço. Basta ver que, desde Setembro, Portugal já jogou com a Croácia, a Suécia, a Espanha e a França e que, há quatro anos, por exemplo, após a vitória no Euro’2016, defrontou no mesmo período as seleções de Gibraltar, Suíça, Andorra e Ilhas Faroé, no início do apuramento para o Mundial de 2018. O que importa, neste momento, não é acabar com a Liga das Nações só porque, alegadamente, as pessoas não a entendem – eu próprio, aliás, tenho de me esforçar para compreender o complicado processo de atribuição de vantagem nos playoff de acesso ao Europeu que ela gera, mas isso é o que menos interessa ali. O que importa, neste momento, é encontrar espaço para esta competição no calendário internacional e atribuir-lhe o peso institucional certo para evitar que algumas equipas sejam forçadas a poupar jogadores de topo quando chega a altura de a jogar.